domingo, 9 de fevereiro de 2014

PENITENTES em sucessão

  Marcos Antonio Dantas de Oliveira

   Os mais variados tipos de agricultores familiares [de povos e comunidades tradicionais], via de regra, praticam uma secular agricultura de sobrevivência, ainda resultante do "caráter estrutural da ‘brecha camponesa’ no sistema escravista" [CARDOSO, 2004]. E em maioria, continuam sem acesso a terra, à água, à titulação, à moradia [à política de Habitação Rural], ao financiamento agropecuário, à educação [à política de Educação no Campo] e de outras políticas que terminam comprometendo a sucessão familiar.
  No entanto, jovens universitários, filhos desses agricultores, querem continuar no campo - http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/t/vida-rural/v/jovens-formam-associacao-para-tentar-mudar-a-realidade-de-pequenas-propriedades-do-sertao/3128543/

  Ainda que a maioria dos imóveis no país sejam minifúndios [são 1.744.540 imóveis com até 10 hectares (INCRA, 2009)], em terras inaptas ou com restrição para o cultivo agrícola, principalmente, no Nordeste; e ou degradadas por seus antigos proprietários e com sérios problemas de logística, comercialização, segurança alimentar e nutricional entre outros. Bem como descumprem a legislação ambiental, trabalhista e do ECA.

   E quando possuem áreas de preservação de recursos naturais, degrada-as para subsistir. Ao invadir e degradar os biomas [protegidos por lei ou não protegidos], os agricultores patronais querem garantir a produção em escala e aumento de renda, e os agricultores familiares à sobrevivência; estão presente em todos os estados. Estudos destacam que para garantir a permanência da família no campo com dignidade e preservar esses biomas, é importante ter uma renda produtiva e uma renda não produtiva, se for o caso.
 Por isso, o Estado [o governo] não pode gastar dinheiro da sociedade em autopromoção, com propagandas surrealistas que versam sobre o pronto atendimento às reivindicações de Bem-estar dessas categorias.
 O Estado [o governo] deve gastar em serviços que efetivem as políticas públicas redistributivas, como a pífia Reforma agrária. Não obstante a Reforma agrária brasileira e alagoana nunca promoveu a função social da propriedade, porque nunca implementou o artigo 186 da Constituição: 1) o aproveitamento racional e adequado; 2) a utilização dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; 3) a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; 4) e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 

 Então, dar a concessão ao agricultor sem terra [pelo Incra] ou ofertar crédito para a compra de propriedade [pelo crédito Fundiário], incluída a opção pelo jovem rural, o Estado [o governo] deve ter como primeiro critério: o acesso ao módulo rural – É a propriedade familiar ou o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros [Lei 4.504/1964]; a observância do custo de oportunidade - http://g1.globo.com/mato-grosso/agrodebate/noticia/2014/02/assentados-querem-areas-para-ter-renda-e-pagar-divida-com-governo.html
 Por outro lado, a Lei 11.326 [Lei da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais], não tem sido exitosa para o acesso e uso dos bens primários e a sucessão familiar. Assim revela que as políticas públicas executadas e em execução [incluída a de ATER], em geral, são pífias para dar conta de suas demandas, inclusive da proteção do patrimônio imaterial.

 “Muitos estudos mostram que o PRONAF tem contribuído pouco no sentido de promover mudanças estruturais na área rural. Por um lado, a estrutura agrária não sofreu grandes modificações e, por outro, o modo de produção continua assentado nos parâmetros da revolução verde. Muitos insistem que é pequena a contribuição do programa no sentido de viabilizar um modelo de produção agroecológica para o País” (MATTEI, 2006).

 Aliás, mais de 50% dos agricultores familiares brasileiros produzem para o autoconsumo, no “Nordeste passar de 80% e no Sul, 20%” [BUAINAIN, 2006], praticam uma agricultura por necessidade/sobrevivência em seus minifúndios. Outro agravante: nos imóveis com até 50 ha, a remuneração é de até um salário mínimo, em todas as regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul [ALVES et al., 2006].
 Enquanto isso, suas mulheres tentam outras rendas, mesmo que precárias - http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/t/vida-rural/v/mandioca-e-principal-ingrediente-na-mudanca-de-vida-de-agricultoras-de-arapiraca-al/3125676/ - enfim, resta-lhes trabalho e suor, penitência e lágrimas.
 Portanto, descapitalizados e analfabetos, em maioria, não faz planejamento, e a execução e a gestão não se realizam em seu negócio familiar; assim fica-lhes difícil usar os recursos naturais de modo eficiente; gerar excedente por hectare; promover o crescimento das rendas agrícolas e não agrícolas; e ainda esgota-lhes a capacidade para inventar algo novo e com valor [empreender]. 

 Por fim, seu “secular negócio”, a agricultura, por ser insustentável ecológica, econômica e socialmente, dificulta-lhes expressar os benefícios da multifuncionalidade de sua lógica familiar: terra, trabalho e família, à sociedade contribuinte e aos consumidores [e estes não entendem a relevância dessa lógica, em geral]. 

  Assim aumentam a pegada ecológica [o impacto que o homem exerce sobre a biosfera], que afeta negativamente o montante de terra e água para prover bens e serviços ao homem, a biocapacidade da natureza [a capacidade regenerativa]; e em particular, os agricultores familiares do Semiárido aprofundam ainda mais a pegada ecológica e a biocapacidade regenerativa; e agravam seu secular sofrimento, o secular drama da Seca - http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/v/seca-no-piaui-e-tema-de-encontro-de-agricultores-familiares-em-teresina/3131143/
 Ademais, os agricultores familiares [os povos e comunidades tradicionais] continuam transferindo suas mais-valias, suas rendas [das atividades agrícolas e não agrícolas, pluriativas, e não produtivas] para os bolsos de uns poucos ricos. Portanto, muito longe de pertence a precária classe média [de R$ 291 a R$ 1.190, definida pela SAE da Presidência da República]. São pobres, segundo o IPEA - pobre quem tem renda per capita de até 1/2 salário mínimo. 

 E mesmo com o crescimento da renda média familiar mensal [de R$ 1.133 (Exame, 2012)], suas dificuldades não foram nem amenizadas. Secularmente, essa renda continua baixa para atender as demandas de uma família de quatro pessoas por domicílio em resposta ao artigo 7º da Constituição Federal.

 Afinal de contas, sem poder aquisitivo suficiente não podem participar ecológica e socialmente da mesa farta e politicamente da elaboração, fiscalização e correção das políticas públicas; do acesso e uso dos bens primários: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, direitos, liberdades, cidadania igual e oportunidades, renda, riqueza (RAWLS, 2002). 

 Estão com vida indigna. Não são cidadãos livres e iguais.

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió/Alagoas