domingo, 27 de junho de 2010

Rurícola, por uma livre escolha

Álvaro Afonso Simon[1]

Marcos Antonio Dantas de Oliveira



Historicamente o meio rural tem sido visto como um resíduo de tudo aquilo que é urbano, em especial quando se trata das políticas públicas. A palavra rural vem do latim: rus, ruris, (campo, terras de lavoura) significando o oposto à cidade urbs urbis, que significa cidade. O conceito de rural é muito mais amplo, foi cunhado nos anos 30, mas se encontra defasado diante da complexidade da realidade atual.



Um problema que emerge no rural contemporâneo na verdade é um conjunto de problemas e por conta disso exigem um conjunto de soluções. Isso determina o fim das fórmulas convencionais baseadas na causa e efeito que na maioria das vezes, resolvem um problema, mas acabam produzindo outros como efeito colateral. Por conta disso um novo conceito de rural está sendo gestado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA capaz de orientar novas políticas e reorientar políticas já consolidadas como o caso do Pronaf.



O desenvolvimento rural ficou esquecido inclusive nos debates acadêmicos retornou nos anos 90 e ganha força mais recentemente com a ascensão da abordagem territorial do desenvolvimento rural. Mas o que pode definir um outro paradigma para mundo rural é a aprovação da Lei de Assistência Técnica e Extensão Rural e a PDBR - Política de Desenvolvimento para o Brasil Rural.




Estes dois instrumentos têm a possibilidade de auxiliar a construção de um novo mundo rural, afirmando-o como um espaço de vida [identidade e patrimônio imaterial], de produção de serviços ambientais além da valorização da produção agrícola. Pesquisas recentes mostraram que um pouco mais da metade da população brasileira está nos centros urbanos, mas não revelaram que quase metade está no meio rural. Essa interpretação retira a importância do rural no desenvolvimento do país, diminuindo com isso os investimentos que poderiam melhorar a qualidade de vida dos rurícolas.



A legislação brasileira atual não define o que é rural. Rural é então o que sobra, por enquanto. Nessa perspectiva quando o rural se desenvolve passa a ser urbano e a idéia de um rural melhor não existe. Por conta disso, só vive no campo quem tem alguma ligação com a terra, mesmo sem o acesso a bens, serviços e emprego.




Isso tudo traduz os desafios mais imediatos que o governo – e o Estado – deve enfrentar: diminuir o isolamento das populações rurais, e garantir a cidadania igual de homens e mulheres [adultos, crianças, adolescentes e idosos] que vivem na zona rural; aos rurícolas definir seu lugar na distribuição da riqueza, ora privada e pública; enfim, ambos devem estar comprometidos com a melhoria da qualidade de vida dos habitantes rurais.



Experiências neste sentido tem produzido pouco resultado, nosso aprendizado nos diz que o campo terá gente feliz quando todo brasileiro que lá vive não será estigmatizado e terá seus direitos e deveres de cidadania igual garantidos. Desta forma sua permanência [e a reprodução de sua lógica familiar] no campo será fruto de uma escolha livre e saudável e seu desenvolvimento não será tomado como algo isolado dos cidadãos citadinos.



Artigo publicado pelo jornal: Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2010



[1] Doutor Interdisciplinar em Ciências Humanas, Pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A - Epagri e Conselheiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável /Condraf.

domingo, 20 de junho de 2010

ALFABETIZE-SE ecologicamente

Marcos Antonio Dantas de Oliveira


E entenda porque no rico estado de Alagoas agudizam-se privações para grande parcela da população [2/3 na condição de pobre, ganham até 1/2 salário mínimo per capta domiciliar] e, substancialmente, para os que moram no Polígono das secas e no campo, entre eles, os agricultores, extrativistas e suas famílias [a grande maioria na classe E – com até dois salários mínimos mensais].
Realidade essa baseada num conjunto de informações sobre o sistema produtivo e social [sobre o ponto de vista, quanto ao uso e ou não uso dos recursos e serviços naturais] que vão desde implicações de impactos ambientais: pelo mau uso das bacias hidrográficas [e microbacias] – poluição das águas e dos solos por agroquímicos, dejetos humanos e lixo de toda natureza; pela dilapidação e/ou degradação dos serviços e potenciais ecológicos; por salinização e erosão do solo e genética; por intoxicações ao homem, animais e plantas por agroquímicos e outros minerais; pelo alto índice de desperdício da produção agropecuária, em termos de quantidade produzida e de dinheiro investido.
Segundo, estudo da Embrapa, o desperdício do plantio à comercialização de frutas e verduras é elevado - "Perdem-se nada menos que 65% do total de 24 bilhões de reais produzidos por ano no país" (Veja, 21/set/2001)]; pela especulação dos preços agropecuários pelos atravessadores, principalmente pelos oligopólios; pela falta de zoneamento ecológico-econômico; pela negligência na aplicação de leis, bem como pela ausência de leis que tratem da Agroecologia, principalmente como ciência;pela corrupção e mais ainda pela impunidade nas infrações; e pelo difícil exercício da liberdade individual e da cidadania igual põe-se em perigo, a variabilidade genética das espécies, o uso do solo e da água, o manejo dos produtos da sociobiodiversidade e do produto agropecuário e seus usos; bem como atrasa o bem-estar social do homem e da mulher, principalmente do rurícola, do agricultor familiar, do jovem rural.
Bem como pela expressiva densidade populacional [107,84 hab./km2], em relevância a abundância de mão de obra familiar, de maioria analfabeta, subnutrida, com baixa produtividade e mal remunerada]; pela baixa participação popular [na dialética e na cidadania igual]; pela baixa disponibilidade de crédito e juros altos [exceto pelo Pronaf]; pela fragilidade dos serviços agropecuários: ensino e pesquisa, assistência técnica e extensão rural e abastecimento, pelo baixo ativismo e prática associativista/cooperativista; pela instável transação gerencial e comercial; por custos de produção que aviltados são incapazes de viabilizar aquisições e tarefas agropecuárias e gerenciais; e por políticas públicas clientelistas e autoritárias.
Sobretudo, porque não assegura a sustentação da lógica familiar[titulação da terra, trabalho e renda] dos agricultores, extrativistas e suas famílias [seus jovens rurais], dentro da unidade geográfica, social, produtiva e familiar e fora dela no caso dos trabalhadores de aluguel, inclusive pela baixa produtividade da terra e da mão de obra. Essa dura realidade ainda tem convivido com insegurança jurídica nos negócios [compra de terras, mercados, empregos e rendas, informais, ilegais e precárias] como também uma vigorosa transferência de renda destas categorias para os setores: industrial, comercial e financeiro. Aumento do êxodo rural e favelização [com exacerbação da relação rurícola/citadino], do trabalho precário e da prostituição infanto-juvenil, da velhice desamparada e da degradação dos potenciais ecológicos nas Mesorregiões: Agreste, Leste e Sertão.
A continuidade da distribuição desigual dos bens primários – renda, riqueza privada e pública, patrimônio. felicidade, lazer, inteligência e outros – legitima as fontes de privações: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e sociais; negligencia os serviços públicos [em especial, a pesquisa agropecuária, a extensão rural, a fiscalização ambiental...] como pela interferência de estados opressores. E ainda robustece e exacerba os atuais padrões de consumo supérfluo e programadamente obsoleto dos mais ricos em detrimento da degradação da natureza e seus serviços, das culturas locais e dos pobres, entre eles, os agricultores, extrativistas e famílias – e sua penosa realidade.
É assim que, Alagoas, em 2012, apresenta-se ao país, como detentor dos piores indicadores sociais e patrimoniais.
Esses fatos oportunizam fraudes e solapam a cidadania igual. Problematizar esses temas é assunto para os povos e comunidades tradicionais, agricultores, extrativistas e suas famílias, e soluções passam pelo seu empoderamento – está em debate o controle e o uso dos recursos naturais e dos tributos.


Faz sentido, que essas categorias, empoderadas, protagonizem alterações em suas estruturas sociais e poder; que reflitam e construam espaços emancipadores e democráticos. A participação dessas categorias no processo decisório: municipal, estadual e federal, ora para reconhecer conflitos, rotinizar diálogos, privilegiar alianças, ora para dar credibilidade aos compromissos assumidos, é vital. E com isso avancem no acesso e melhoria da distribuição dos bens primários, da responsabilidade social e ecológica, removam às privações das liberdades reais e as degradadas relações sociais entre ricos e pobres, rurícolas e citadinos, e para promover e garantir o desenvolvimento sustentável [durável] - recursos naturais, propriedade comum e privada, demografia, PIB, conflito, gestão e justiça social.
Ademais é preciso, alfabetizar-se, segundo Capra, [A Teia da vida, 2002] em princípios ecológicos [interdependência, parceria, cooperação, reciclagem, diversidade, flexibilidade], esses princípios são essenciais tanto para empreender e assegurar à riqueza privada como os benefícios da riqueza pública, principalmente aos rurícolas, povos e comunidades tradicionais, agricultores, extrativistas e suas famílias. E assim, reorganizar e melhorar a qualidade da produção, da distribuição, do consumo, do entretenimento; participar da vida política como cidadão igual e livre; e importar-se com a ética em seu cotidiano, dentro de casa como fora dela.
É no espaço público [locus da política]que sé dar o aprender a aprender, o aprender a fazer, o aprender a ser, e o aprender a viver junto ficamos livres para iniciar algo novo, que dignifique à vida humana e proteja o ciclo da vida [à natureza]. E a responder: está disposto pagar pelo uso, conservação e preservação dos potenciais ecológicos?

Em tempo: Qual a quantidade de recursos naturais, energia e impactos ambientais gerados na produção de um bem ou serviço? Como mensurar a conta ambiental no cálculo da economia de um país, considerando água, florestas e energia? Como descontar do volume produzido em bens e serviços a “depreciação” do capital natural? Para responder essas perguntas, está chegando por aí o PIB verde, Projeto de Lei 2900/11, do deputado Otávio Leite (PSDB/RJ) aprovado recentemente pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.



Publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2010