domingo, 30 de setembro de 2012

Agricultores de Guiricema [MG] comemoram o preço do quiabo

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

É vital expandir o excedente agrícola por hectare e por estabelecimento sob a perspectiva ecológica e do agronegócio para incrementar a renda líquida, e para reduzir o êxodo rural, que é básico para o bem-estar dos agricultores e extrativistas familiares, dos povos e comunidades tradicionais, dos jovens rurais, das mulheres e da sociedade.

Aliás, é tradição. A agricultura é provedora de alimentos, fornecedora de mão de obra e transferidora de renda aos outros setores da economia. Contudo, “mais da metade das propriedades rurais, por exemplo, com níveis de renda entre zero e meio salário mínimo [53,4% do total] encontram-se, segundo os autores, inviabilizados produtivamente, pois [...] a residência serve basicamente como moradia, sendo a atividade agrícola insignificante” (ALVES; ROCHA, 2010).

E em virtude da baixa intensificação do uso da terra, está estabelecida uma brutal troca desigual econômica – expressa pelos diferenciais de produtividade e de salários entre os intercambiantes. Bem como pelo uso voraz dos recursos naturais [renováveis e não renováveis], de forma crescente e continuada, resulta em outra troca desigual, a ecológica – valor recebido pela venda de um produto não compensa a desordem física nem social deixada no local da extração.


Via de regra, essas categorias exploram minifúndios [com área média de 14 hectares (INCRA, 2010)]; nesse sentido, não é possível remunerar a família sem aumentar o excedente por hectare e por estabelecimento; sem intensificar o uso dos recursos e serviços naturais [água, terra e biodiversidade...]; e sem executar uma Reforma Agrária baseada na função social da propriedade [Art.186 da Constituição Federal], e na propriedade familiar. Aliás, eles precisam de uma renda não produtiva.

E mais, ”há uma considerável carência de variedades de muitas espécies adaptadas a sistemas agroecológicos. Essa carência torna a produção ecológica onerosa tanto para o produtor quanto para o consumidor”, enfatiza Machado et al. (2008).

Aliás, os agricultores familiares, os povos e comunidades tradicio-nais necessitam de tecnologias [poupa-terra, poupa-trabalho e poupa-produto], inovações, financiamentos, pesquisas e ATER para mitigar os danos ecológicos e sociais continuadamente; e pelo aumento do excedente por hectare e por estabelecimento, através do incremento da renda bruta por hectare, da renda bruta por homem, e da renda bruta por dispêndio, ofertar serviços e produtos saudáveis à sociedade; e assim garantir renda líquida. 

Portanto, uma agricultura agroecológica para o Desenvolvimento Sustentável requer gestão estratégica na bacia hidrográfica [sobre zoneamento ecológicoeconômico, Ciência e Desenvolvimento, Código Florestal, Política Ambiental, Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA, escolarização, ações do Estado [no parlamento, no executivo e no juridiciário], para o uso e não uso dos recursos naturais, da paisagem, e de suas relações sociais, econômicas, ambientais; e uma abordagem ecológica, que implica em gerar e adotar também novas tecnologias e inovações para produzir mais por mais tempo; para manter os ganhos econômicos, sociais e ecológicos; e assim usufruir dos bens primários pelos pressupostos da economia ecológica. 

Recentemente, o país instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica / PNAPO - Art. 1º: com o objetivo de integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o Desenvolvimento Sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis [Decreto nº 7.794/2012].

Essa política deve oportunizar a modernização [dos meios de produção] para todos agricultores ao levar em conta a gestão da multifuncio-nalidade da paisagem e da agricultura [em diversos níveis de escala] em longo prazo, da jusante à montante da produção agrícola. Nessa perspectiva, a agricultura é um empreendimento lucrativo; portanto, deve garantir o usufruto à essas categorias dos bens primários – são eles: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos, segundo Rawls (2002).

Avançamos muito pouco. Para a Articulação Nacional de Agroecologia / ANA, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar / CONSEA e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva / ABRASCO, a Política Nacional de Agroecologia não aborda questões cruciais como os agrotóxicos e a função social da terra [1].

E o representante da Contag avalia como insuficiente o decreto que institui política de agroecologia no país [2].

Sobretudo, só a fundamentação teórica [a Ciência] é capaz de promover alguma alteração [anomalia] no paradigma dominante [na matriz energética]. E se continuarmos exacerbando a agroecologia, enquanto produtos e serviços, além de não alterarmos esse paradigma, o insucesso dessa política confirmar-se-á.

Em tempo: Câmara analisa o Projeto de Lei 3899/12, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que institui a Política Nacional de Estímulo à Produção e ao Consumo Sustentáveis. O objetivo é criar incentivos para a adoção de práticas de consumo e produção ecológica e economicamente sustentáveis.


Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas.




[1]  www.ecodebate, set. 2012
[2]  www.ecodebate, set. 2012             


domingo, 16 de setembro de 2012

És MÃE gentil


Marcos Antonio Dantas de Oliveira

A agricultura familiar produz 70% dos alimentos consumidos pela sociedade brasileira. Aliás, os agricultores familiares [e os povos e comunidades tradicionais] têm expandido o excedente agrícola para assegurar o bem-estar das pessoas, das cidades, os interesses da sociedade. És mãe gentil para consumidores, principalmente os citadinos.

Por outro, és madrasta àqueles que produzem essa mesa farta, os agricultores familiares, a grande maioria têm renda familiar por domicílio de até dois salários mínimos.

E enfatiza Machado et al. (2008), “grande parte da insegurança alimentar provém da inviabilização da agricultura familiar [SOARES, 2001]. A histórica falta de apoio a esse setor vem redundando na expulsão do agricultor familiar do campo, [..] engrossando a fileira de desempregados e miseráveis com acesso restrito a alimentos".  E  para mitigar essa expulsão crescente, usar a ciência, a tecnologia e a inovação tão pouco empregadas até a porteira, é imprescindível para empreender. E políticas públicas que estimulem a oferta e a demanda interna e exportações, e incrementem na lógica familiar o emprego [inclusive o pluriativo] e a renda [se for o caso, produtiva e não produtiva] dessas categorias.

Nesse sentido, continua diminuindo o consumo básico de bens e serviços em sua mesa, em sua moradia, principalmente, para os 3.318.077 agricultores familiares minifundiários com área média de 14ha [INCRA,  2010]; e de maioria analfabeta [e de analfabetos ecológicos, segundo Capra, 2002] têm dificuldade para preservar os recursos naturais, a paisagem e o conhecimento sobre espécies locais, inclusive a erosão genética também tem inviabilizado a agricultura familiar; outros agravantes: as exigências de mercado, inclusive pela opção de cultivar comercial, e a baixa capacidade para gerir os ativos e passivos da unidade produtiva e da paisagem.

E pela renda escassa [e descapitalizados] já não conseguem manter a coesão do tecido social e cultural, assim, as mulheres, os jovens rurais e as crianças são os mais afetados em sua dignidade. Estão sem perspectivas de usufruto dos bens primários [liberdade individual, cidadania igual, alimentação, renda, emprego, riqueza pública, felicidade...].

Ademais, a agricultura familiar continua como atividade geradora de divisas e provedora do abastecimento a baixo custo [promotora da segurança  alimentar e nutricional da sociedade e famílias rurais]; ofertante de mão de obra [de emprego e renda] e matéria-prima para os setores secundário e terciário; fornecedora de mercado para a indústria de insumos, máquinas em geral; e financia o desenvolvimento de outros setores com a continuada  e brutal transferência de suas rendas, ainda que, operando em insegurança jurídica: Incra e associações quilombolas tentam buscar solução para resolver impasse em processo de titulação (Gazeta de Alagoas, 19/abr./2012).

E o governo federal coloca a disposição dos agricultores e extrativistas familiares [dos povos e comunidades tradicionais], o Plano Safra 2012/2013: Crédito PRONAF, 18 bilhões de reais; 1,1 bilhão de reais para o PNAE e 1,2 bilhão para o PAA; para o Garantia Safra, 412 milhões e para o PGPAF, 90 milhões, por exemplo. Esses  valores monetários só entusiasma o governo. E quem desconhece a sociologia da agricultura familiar [suas formas, padrões e relações].

Numa conta rápida vai perceber que essa dinheirama não atende nem um terço dos 4,3 milhões de agricultores familiares [beneficiários da Lei 11.326]. E ao serviço de ATER e ATES, só 542 milhões de reais [para estados e distrito federal, para o serviço estatal e não estatal]. Portanto, vamos continuar com um serviço, ora  ineficiente, ora eficiente, contudo, ineficaz para assegurar a sustentabilidade a longo prazo da lógica da agricultura familiar [terra, água, trabalho, família, sucessão], o acesso e usufruto dos bens primários; e  atender as múltiplas funções da agricultura [por multifuncionalidade, toma-se como “aquilo que a agricultura faz para a sociedade em termos de bens e serviços tangíveis e intangíveis, além da produção agrícola no sentido estrito” (DUARTE, et.al, 2006)].

Em verdade, estamos em insustentabilidade. Aliás, é urgente uma nova contratualização entre a sociedade, os agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e o poder público acerca do controle dos recursos naturais e dos tributos e suas relações sociais, econômicas, ecológicas sob a guarda da economia ambiental ou da economia ecológica. Uma luz: a Política de Desenvolvimento do Brasil Rural/PDBR (PLS 258/10), já em tramitação no Congresso é relevante para o bem-estar e à soberania dos agricultores e extrativistas familiares, dos povos e comunidades tradicionais [só 15,6% dos brasileiros moram no campo, segundo o IBGE]. O Brasil é cada vez mais urbano.

Ou continuamos na rota da insustentabilidade [e da indignidade]: um homem que nasce num mundo já ocupado, se sua família não possui meios de alimentá-lo ou se a sociedade não tem necessidade de seu trabalho, esse homem, repito, não tem o menor direito de reclamar uma porção qualquer de alimento: está em demasia na terra. No grande banquete da natureza, não há lugar para ele. A natureza lhe ordena que se vá e ela mesma não tardará a colocar essa ordem em execução... (MALTHUS citado por PROUDHON, Tomo I). Executamos essa ordem? Ou contemporizamos nossa consciência social, e abrigamo-o?

Pois, segundo Rawls (2002): cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros.

Chega de anomia. Espera-se de um povo heróico [agricultor familiar, catadora de mangaba, pescador, quebradeira de coco, quilombola, comunidade de fundo de pasto e do faxinal, geraizeiro, indígena... ] o brado retumbante!

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012