domingo, 22 de fevereiro de 2015

Outros TONS de cinza

  Marcos Antonio Dantas de Oliveira[1]
   Revelam que a diversidade e a diferença entre agricultores familiares [2], suas relações sociais, suas práticas agrícolas e não agrícolas, de complexas soam estranhas para muitos ideólogos, pesquisadores, extensionistas, estudantes das ciências agrárias e outros que exercem suas funções no cotidiano agrário e agrícola; mas não àqueles que habitam, trabalham, circulam e vivenciam, dia a dia, os riscos e as incertezas sobre sua inclusão produtiva e social ao mundo do Bem-estar com todos, no rural brasileiro e alagoano.
   Então, problematizar a pobreza multidimensional dos agricultores familiares [e a Lei da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais], é necessário para entender que qualquer atividade e função desempenhadas por essas categorias no processo de desenvolvimento sustentável estão postas sobre dois “quem” relevantes para o Bem-estar em Rawls [autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos a vida plural da sociedade, e a associação de iguais que é o Estado [Constituição Federal: art. 1, 3, 5 e 6º]  o primeiro tom de cinza, “quem” controla os recursos naturais e os tributos? E o segundo tom de cinza, “quem” distribui os encargos e benefícios da cooperação social?
   Pois, o acesso aos recursos naturais está expresso na Constituição Federal; contudo, reporto-me ao artigo 186 que trata da função social da propriedade, sobretudo do Bem-estar. E fica claro que, o módulo rural é a ferramenta inequívoca para o acesso a terra [Estatuto da Terra: artigo 1º; 2º; 4º incisos II, III; e 16] sob a guarda dos princípios ecológicos propostos por Capra. Aliás, o governo federal não dar a mínima a esses artigos e princípios; por isso, não tem erradicado o latifúndio e o minifúndio como objeto da reforma agrária, essa reforma como política pública redistributiva é um fiasco – pois, o índice de Gini continua alto. E sem críticas agrava-se à sucessão familiar.
   E é agravada porque a logística [rodovia (inclusive a municipal), armazém, porto, energia, tecnologia de informação e comunicação, serviço de extensão rural...], em regra, tem gestão perdulária e ineficaz. Ademais, influi e dificulta o emprego de inovações, diminui a produtividade de todos os fatores e a competividade, como alimenta o aviltamento de preços de produtos que entram e saem da unidade produtiva repercutindo negativamente na unidade geográfica, no mercado interno e externo, na unidade social, no consumo das famílias, local e global, no estado do agronegócio.
   Quanto à segurança jurídica: mesmo a titulação definitiva é sempre questionada por terceiros, porque o país não possui um cadastro único de imóveis rurais. É um caos, pois a grilagem de terras corre solta, e dificulta à vida dos agricultores familiares, e da sociedade pela ineficaz ação da máquina pública em vigiar e punir os infratores quanto à apropriação dos recursos naturais, por exemplo. E, a CPT em documentos e opiniões denuncia conflitos por terra, água entre outros, dia a dia - http://www.ecodebate.com.br/2014/12/04/indios-de-brasil-e-peru-denunciam-quadrilhas-de-madeireiros-ilegais-que-ameacam-e-matam-nativos/
   E, as disposições sociais: educação, vigilância sanitária e saúde, vistas como universais estão à margem dos princípios da administração pública, são serviços públicos ruins com longas filas, e casos antiéticos de cirurgias protéticas pelo SUS, de leite adulterado no RS, e de notas do Ideb, no Nordeste e Norte, que de baixas ridicularizam a educação brasileira e alagoana – um desperdício de recursos - http://odia.ig.com.br/portal/rio/pesquisa-revela-que-38-dos-alunos-do-ensino-superior-n%C3%A3o-sabem-interpretar-textos-1.465629

   Ah, o grau de formalidade na atividade agrícola e não agrícola é baixo, e assim repercute na renda média de cada um dos 2,9 milhões de estabelecimentos, 66,01% do total, que é 0,5 salário/mês. Então, se a renda está ligada ao conforto/consumo; ir às compras depende do lucro de sua atividade e/ou de uma renda inclusiva; evidentemente para quem tem dinheiro no bolso, consumo é lazer. E para aqueles que têm bolso vazio ou pouco dinheiro, resta-lhes: a desocupação, o abandono, a penitência, o trabalho [o sobretrabalho ou subtrabalho], legal ou ilegal, a droga e a prostituição, principalmente a infantil. Para esses uma renda inclusiva é “um legítimo direito a uma certa forma de propriedade ou seu equivalente”, diz Paine.
   Não obstante, as liberdades fundamentais garantidas no artigo 1º da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, são novidades para muitos esses exercícios de cidadania, e para muitos outros nem novidade é; todavia, é real para alguns poucos que, via relação de compadrio, corrompem esse poder privatizando o Estado - http://blogdocutrim.blogspot.com.br/2013/07/corruptos-desviam-r200-bilhoes-por-ano.html
   Essas categorias e os stakeholders, presentes nos ambientes e arranjos institucionais ou não necessitam de uma governança eficaz para solucionar os agravos ao Bem-estar, pelo não usufruto do recurso natural, da segurança jurídica, da logística, da disposição social, da formalidade, do bem primário em Rawls.
   E, nesse Brasil, nessa Alagoas, de tantas assimetrias os agricultores familiares, homens, mulheres, jovens e crianças, analfabetos e oprimidos para gozarem de Bem-estar com todos: compartilhar e usufruir dos bens primários são vitais. E continua Rawls, “os bens primários são presentemente definidos pela necessidade das pessoas em razão de sua condição de cidadãos livres e iguais e de membros normais e plenos da sociedade durante toda a vida”; só nessa condição poderão ter estilos de vida saudáveis, em tons de rosa.
   

                                                 




[1] Mestre em Desenvolvimento Sustentável, membro da Academia Brasileira de Extensão Rural/ABER, professor da UNEAL, extensionista da EMATER-AL/Carhp             Blog:sabecomquemestafalando.blogspot.com   
                                                                                                                                                                                         
                                                                                                                                              

[2] http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95601/lei-11326-06    Artigo 3º, § 2ºSão também beneficiários desta Lei: I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores; IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente; V - povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput do art. 3º; (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011); VI - integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II, III e IV do caput do art. 3º. (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011). 
                          

                                                       

20 comentários:

  1. Sempre supreendendo. Valeu! Oto

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  2. Com esse título sugestivo,a leitura mais vigor. Vanessa

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  3. Interessante, a dominação e a submissão, presente no filme: Os 50 tons de cinza, também presente nesse texto: o opressor e o oprimido dar as cartas nas relações, governante e governado, rico e pobre, intelectual e agricultor. gostei das suas colocações. Vera

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  4. Valeu pelo bom texto. Roberto

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  5. Crucial suas colocações sobre o acesso e usufruto da riqueza privada e da pública. Nos abriu os olhos sobre esse assunto nunca discutido na grande maioria dos ambientes. Toninho

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  6. Concordo com a observação de Toninho. Jason

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  7. É dramática e trágica a situação desses estabelecimentos com renda de até 0,5 salário mínimo. Hélio

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  8. Uma observação importante, sua colocação sobre as rotineiras dificuldades dos beneficiários da Lei 11.326. Manoel

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  9. Suas considerações sobre o fracasso da reforma agrária soam bem, está certo. Mauricio

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  10. Revelando outros tons de cinza é um texto oportuno. Humberto

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  11. Quanto discurso do governo e no dia a dia, a agricultura anda a passo tão lentos. Rui

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  12. Bem dito: os bens primarios são pontos de partida para o bem-estar. Marcelo

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  13. Sua observação sobre quem são os beneficiarios da Lei 11.326, e de relevância. Oscar

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  14. Parabéns Pai, excelente texto! Vanessa Campos

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  15. É a alta informalidade do setor agropecuário, principalmente na agricultura familiar é dos gargalos para avançar no bem-estar destes. Eraldo

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  16. As marchas dos Sem-terra é um exemplo forte desses outros tons de cinza. Mariana

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  17. A nota de rodapé sobre quem são os beneficiários da Lei 11.326 foi esclarecedora para mim. Chico

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  18. Claro e reflexivo sobre às condições precárias agricultores familiares. Ernane

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  19. Exige-se pensar! Susana

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  20. É na condição de livre e igual que caminhamos para o bem-estar. Gustavo

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