sábado, 18 de fevereiro de 2012

Servidão CONSENTIDA

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Alagoas ainda hoje, é o estado que mais reproduz a agricultura do período colonial. O forte do desenvolvimento da agricultura se dá ora pela exploração da cana de açúcar e seu longevo negócio: exportar açúcar [século XVI] e álcool [século XX] e da pecuária. É também caracterizada pela presença forte de minifúndios com o longevo cultivo de cereais e alguns produtos hortícolas para o autoconsumo/sobrevivência.

Em Alagoas, em geral, a agricultura é representada por agricultores que cultivam a cana de açúcar com tecnologia: de médio a alto conteúdo, em área de 434.005 ha, e há o predomínio do gado de corte e do gado de elite. E por agricultores familiares que cultivam cereais e alguns produtos hortícolas com baixo e médio conteúdo tecnológico com uma área cultivada em torno de 210 mil ha, em 92,9% dos estabelecimentos totais, e prevalece a criação do gado mestiço holando/zebu, avicultura, caprinos e dos ovinos (IBGE - Produção Agrícola Municipal). E há pequenos e médios agricultores não familiares que cultivam esses produtos.

Alagoas continua em situação crítica, tem um grande passivo ambiental, só resta 5,03% de sua área de matas e/ou florestas naturais destinadas à preservação permanente ou reserva legal (Censo Agropecuário de 2006). É drástica a redução do bioma Mata Atlântica e do bioma Caatinga [e restam, respectivamente, 8% e 6% de suas áreas originais. Há uma prática pedagógica importante, a visitação de estudantes às Reservas Particulares de Patrimônio Natural/RPPNs [estaduais, 13 com área total de 455,89 hectares (IMA), e as RPPNs federais, 07 com área de 744,6 ha (IBAMA)] – um despertar para a consciência ecológica e ambiental. Contudo por serem áreas muito pequenas, são insustentáveis ecologicamente; se assemelham a um jardim, por sua fisionomia humana e midiática.

Segundo Lustosa et al. [2003] "isso acontece porque os aspectos ambientais ainda estão pouco integrados na formulação de políticas públicas. O problema é agravado pela falta de informações sobre a extensão e a relevância dos problemas resultantes da degradação ambiental. A criação de um sistema de indicadores ambientais que compile dados obtidos pelas agências de controle poderia facilitar essa integração, definindo áreas de prioridade de ação. Assim, a política ambiental busca induzir ou forçar os agentes econômicos a adotarem ações que provoquem menos danos ao meio ambiente, seja reduzindo a quantidade de emissões ou a velocidade de exploração dos recursos naturais".

E mostra que dos 123.331 estabelecimentos, 95.781 possuem área de até 10 ha (Censo Agropecuário de 2006); esse elevado número de estabelecimentos minifundiários revela que Alagoas continua concentrando ainda mais a terra, os recursos naturais nas mãos de uns poucos, mesmo com os programas do governo federal de Reforma Agrária e por ato contínuo uma reforma minifundiária. Por isso, os conflitos no campo alagoano crescem, foram 34 com 11.745 indivíduos envolvidos em 2010, documenta a Pastoral da Terra/CPT.

E esses agricultores minifundiários, descapitalizados, analfabetos e em insegurança alimentar continuam praticando uma agricultura de sobrevivência; pois o acesso à terra, à renda, à escola, à alimentação e a outros dispositivos sociais e econômicos não fazem parte do cotidiano de suas famílias; têm muitas dificuldades para garantir o acesso e uso dos bens primários e a sucessão familiar. Nesse sentido, o acesso à terra [posse e titularidade] é essencial para desconcentrar à riqueza privada e à pública, às liberdades fundamentais e à cidadania, o poder e o voto; e uma opção à permanência dos jovens no campo.

Vale ressaltar que as politicas públicas federais não dão conta das demandas dos agricultores familiares, ora porque são feitas nos gabinetes governamentais, e atuam mais para apagar focos de insatisfações das representações dos agricultores. Em Alagoas não existe politicas públicas consistentes e efetivas para prever cenários promissores a esses agricultores – Em Ouro Branco, Cicinho e sua família [06 pessoas] tiram 150 litros de leite por dia e vendem a R$ 0,76 (Gazeta Rural, 13/01/2012); esse valor não cobre o custo para produzí-lo. Pobres, pois têm renda per capita familiar menor do que ½ salário mínimo, segundo IPEA.

Entregar a mais-valia de sua família à terceiros, é uma operação exitosa para quem?

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Há anos, uma INGRATA labuta

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Desde suas origens, com a domestição de plantas e animais, com o regime de sesmarias, com a Lei de Terras de setembro de 1850, com o Estatuto da Terra até os dias atuais, a concentração da propriedade fundiária no Brasil cresceu e consolidou-se com a marca da imutabilidade, na história do acesso à terra pelos agricultores.

Assim a evolução do índice de Gini para desconcentrar a propriedade da terra, avançou muito pouco, nos últimos 16 anos; apesar do programa de acesso à terra do governo federal ter proporcionado um aumento considerável da área destinada à reforma agrária - entre 1995 e 2010, área somou 69,7 milhões de hectares [ha] e assentou 1,1 milhão de famílias (Incra, DEA/DIEESE); é ainda pouca área para dar conta da demanda. E revela por que os conflitos no campo brasileiro por terra em 2010, segundo a Comissão Pastoral da Terra/CPT, chegaram a 853, envolvendo 351.935 indivíduos.

É a estrutura fundiária, com o número de imóveis de até 100 ha, e representando 86% do total dos imóveis, que não tem promovido crescimento das rendas agropecuárias e não agropecuárias, nem tornado sustentável uso dos recursos e serviços naturais, e ainda esgota a possibilidade de empreender, de realizar algo diferente e com valor – Lei 11.326, da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais.

Então para essa grande maioria de agricultores familiares, assegurar as necessidades básicas para subsistir, é uma dura e penosa luta diária, há anos. E revela que as políticas públicas executadas e em execução, em geral, são pífias para dar conta de avanços sociais e econômicos, e compromete o uso e preservação da natureza, por parte do agricultor pequeno não familiar e do agricultor familiar.

E a distribuição desses imóveis nas regiões brasileiras, mostra como é grande o número de minifúndios no país. Vale salientar, que no Brasil,"nas cinco regiões, a agricultura oferece remuneração inferior ao salário mínimo para os estabelecimentos de áres inferior a 50 ha" (ALVES et al., 2006), com implicações seríssimas para sustentar a lógica familiar: terra, trabalho e família. Haja trabalho pluriativo.

Mostra que a reforma agrária baseada no minifúndio, e não no módulo rural [Lei 4.504/1964], torna o imóvel inviável, para garantir o progresso social e econômico, a proteção aos biomas, biótopos e biótipos pelo uso dos recursos e serviços naturais na alimentação, na mineração, na indústria, no lazer, por exemplos, e, em geral,inviabiliza a multifuncionalidade da agricultura familiar e do lugar rural.

E o Brasil é um dos países que dispõe de um grande estoque de terras agricultáveis, em torno de 100 milhões de ha. Todavia, por dá relevância ao precário zoneamento agrícola, e preterir o urgente zoneamento ecológico-econômico para assentar o código florestal e das águas baseado em critérios sociais, econômicos e ecológicos para o desenvolvimento de atividades humanas, de um código de postura: para moradia, ocupação: agropecuária, extrativista, industrial, lazer e outras; e para fazer uma Reforma Agrária que permita aos agricultores familiares participar do direito de escolher o que, como e quando produzir, consumir e entreter-se, como cidadãos iguais e livres do planejamento estratégico [objetivos, ações e orçamentos]desse programa, principalmente.

O direito de escolher é para pouquíssimos, daí o consumo posicional de uns poucos consumidores privilegiados - ah, cresceu o número de milionários nos estados brasileiros, são 145 mil, nos últimos 08 anos; em Alagoas, o crescimento foi de 61%, só perde para Santa Catarina com 76% (Veja,18/jan/2010). Por outro lado, Alagoas tem os piores indicadores sociais e econômicos do país.

Diante dessa situação a diminuição do índice de Gini, para o acesso à terra e à renda, precisa de um esforço muito grande do Estado, da Sociedade para assegurar o acesso e uso dos bens primários: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, direitos, liberdades e oportunidades, renda, riqueza (RAWLS, 2002); e garantir a sucessão familiar, depende ainda mais do esforço do agricultor, sua família e suas representações.

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012