sábado, 9 de abril de 2011

MAIORES Abandonados

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Os agricultores e os extrativistas familiares [esposas, adolescentes, crianças] deixam suas terras, suas águas, suas relações de compadrio e suas manifestações culturais [costumes, religiosidade, patrimônio imaterial...] em busca de algo difícil de conquistarem, vida digna. Decidem migrar, parte só ou com a família; essa migração sob a forma de êxodo é a sua última e única opção em busca de pelos menos manter os vínculos familiares aquecidos nos novos lugares.


E assim partem para o mundo desconhecido, onde as dificuldades agora impostas não serão mais, de certo, solucionadas em sua maioria pelas suas relações de compadrios, não haverá mais essa lógica. E sem seus compadres, a cidade representa tudo aquilo, que solapou a reprodução de sua lógica familiar – água e terra [recursos, natureza, mitos], trabalho [organização, ocupações, mais-valia] e família [sucessão, produto, renda, cultura]; e degradou seu tecido familiar e social - e os jovens são os mais afetados. Agora, eles são esmoléus, catadores de lixo e seus filhos servem à prostituição infanto-juvenil, ao tráfico de drogas e outros desvios de conduta; moram em favelas e ou marquizes.

E aqueles que ficam em seus sítios, pagam caro pela ousadia de continuarem morando no campo, nesse sentido, é cada vez mais difícil reproduzirem suas lógicas familiares.

Ademais, o governo federal alardeia os benefícios do Programa Pronaf, dinheiro a juros subsidiados – 16 bilhões de reais [Safra 2010/11, para custeio, investimento e comercialização], dinheiro curto para atender os 4,3 milhões de agricultores e extrativistas familiares [... assentados, quilombolas, barranqueiros] em suas necessidades de coleta, cultivo, beneficiamento e comercialização dos produtos e serviços agrícolas, pecuários e extrativistas em suas propriedades privadas ou comuns.

Tem o Crédito Fundiário com boa filosofia, mas na prática é um despautério, não é uma boa opção, pois, a aquisição da terra é sempre em área degradada, a maioria com solos sem aptidão para o uso agrícola, sem práticas conservacionistas, e por regra geral, menor que o módulo fiscal municipal, e muito longe do ideal, o módulo rural. Não há qualquer consideração com a composição familiar, com o tamanho da renda e de onde ela vem, com o Código Florestal e das Águas, com a sucessão [e até mesmo com o jovem interessado em participar deste programa]. E mais: o Bolsa família, o Vale gás, o Baixa renda [luz elétrica], por exemplos, em geral, não são acessados por essas famílias.

Outro remédio é o programa, Garantia Safra, para os agricultores familiares do Semiárido [com área de 0,6 a 10 hectares sem irrigação, e renda até 1,5 salário mínimo], que concede R$ 640 por agricultor dividido em quatro parcelas mensais, no caso de frustração de safra. É também um valor baixo para quem labuta com sua família, dia-a-dia, no sol e na chuva. E paga muito impostos; o agricultor e o extrativista familiares são grandes contribuintes individuais, eles estão na classe E [renda até dois salários mínimos]. “Proporcionalmente, os pobres pagam bem mais impostos que os ricos” [IPEA, 2008].

Dos Programas: de Aquisição de Alimentos e de Merenda Escolar, os valores de R$ 4,5 mil e R$ 9 mil, respectivamente por agricultor/ano são baixos, mesmo somando esses dois valores [R$ 1.125 mensal], não dá para garantir-lhes condições de vida digna, em resposta ao artigo 7º da Constituição Federal – dos Direitos Sociais: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, previdência social e moradia [por analogia com o salário mínimo, a renda para atender uma família de 04 pessoas, seria de R$ 2.247,94 em março, segundo Dieese]; mas, ministros têmbolsa aluguel de até R$ 6.680” e salários de R$ 26.700 (BOL Notícias, 03/abr/2011) os verdadeiros beneficiários dos impostos.

E os serviços de pesquisa agropecuária e extensão rural de ineficazes não ajudam os agricultores e extrativistas familiares assegurarem a sustentabilidade da sua lógica familiar, ora pelo viés econômico, social, ecológico e político; e nada de melhorar o IDH familiar e do entorno.

Aliás, essas estratégias revelam a fragilidade e a ineficácia dessas políticas públicas [inclusive às de rendas não produtivas]. Não é à toa que o percentual de pobres – aquele que ganha até ½ salário mínimo per capita domiciliar [IPEA] – no Brasil [mais de 20%] e em Alagoas [mais de 50%] são elevados; e entre eles, e em condição precária: rurícolas, agricultores, extrativistas familiares, seus filhos e suas mulheres são os mais atingidos [... assentados, quilombolas, barranqueiros], a grande maioria com pouca riqueza privada e quase nenhum acesso à riqueza pública, e ainda tornam-se inadimplentes, endividados [com os bancos e agiotas], sem-terras, favelados; assim não pensam, não dialogam, não agem como cidadãos iguais e livres. Esses programas têm contribuído pouco para minimizá-la.

E agora, maiores abandonados, os desafios serão maiores e de difícil superação nessa 'nova vida velha'. E ora, afunda-os na pobreza. O que nos leva resgatar e refletir sobre o que disse Malthus [1798]:

Um homem que nasce no mundo já ocupado, se sua família não possui meios de alimentá-lo ou se a sociedade não tem necessidade de seu trabalho, esse homem, repito, não tem o menor direito de reclamar uma porção qualquer de alimento: está em demasia na terra. No grande banquete da natureza, não há lugar para ele. A natureza lhe ordena que se vá e ela mesma não tardará a colocar essa ordem em execução...”.

Ou nós executamos essa ordem?

Eles são nossa consciência ecológica e social.


Publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2011