segunda-feira, 26 de abril de 2010

É HABITUALMENTE menos livre

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Por isso, é oportuno entendermos a degradação social vivida por seu Mané, dona Maria e sua famílias; para refletir como ajudá-los a sair dessa degradação; para entender sua relevância, como produtores e consumidores de alimentos, fibras, [bio]energia, postos de trabalhos, rendas e tributos, e protagonistas.

Ressalte-se essa penúria: em Alagoas, mais da metade da população vive em pobreza [com renda de até 1/2 salário mínimo per capita domiciliar], nessa condição, o agricultor-contribuinte, seu Chico, está entre os que mais pagam tributos - "Famílias com renda de até dois salários mínimos pagam 48,8% da renda em tributos, aquelas com renda acima de 30, empenham cerca de 26,3% da renda. Pode-se concluir que, dos pobres, foram exigidos 197 dias para arcar com os tributos. Dos ricos, 106 dias - três meses a menos" (Gazeta de Alagoas, 01/jul/2009) .

Está posta sua condição econômica. E, a sua condição social também é indesejável, pois os serviços sociais de saúde, segurança pública e educação [alto número de analfabetos] de tão frágeis acentuam a ineficácia dos governos municipal, estadual e federal em atendê-lo, em suas necessidades e demandas; seu lar precário reflete o abandono ao setor habitacional rural [déficit de 40 mil lares] pelos governos, sem financiamento nas mesmas condições do citadino; gera muito emprego informal e precário, usa mão de obra infanto-juvenil [é o setor que mais usa essa mão de obra – uma afronta ao ECA], e transfere sua pouca renda, seu suor à conta-corrente aos setores: industrial, comercial e financeiro, principalmente; e pelo baixo valor de sua aposentadoria e de sua bolsa-família, a família campesina [avós, pais, filhos e netos, ou órfã do êxodo rural] também recorre ao crédito da usura, oficial ou não para sobreviver.

Aliás, seu João e família, em sua propriedade degradam os biomas [água, terra e ar], e a degradação crescente desses potenciais é o resultado também da intensificação e mau manejo de práticas agrícolas – com perda de fertilidade e solos por erosão [inclusive à genética] e salinização; e ainda por contaminação de adubos, agrotóxicos, lixos... –, e do consumo de produtos para aplacar a fome do estômago de muitos e da máquina de uns poucos.

O desrespeito às normas ambientais ajuda-os participar do mercado produtor e consumidor como à sobrevivência de muitos, em lixões - "Realidade cada vez mais comum em Alagoas, os lixões a céu aberto são uma ameaça à saúde da população e também a única forma de sobrevivência de centenas de famílias alagoanas" (Gazeta de Alagoas, 19/abri/2009). Ora, um despautério, à ineficácia do Estado: da fiscalização do Ibama e Ima às políticas de inclusão social e digital; da sonegação e da renúncia fiscais ao serviço de pesquisa agropecuária e extensão rural; do uso e não uso dos recursos naturais à capacitação de agricultores, familiares e técnicos.

Contudo, o governo Estadual tem programa bem intencionado: Alagoas, Desenvolvimento com Bem-Estar Social, e seu Eixo Indústria e Agronegócio, anuncia as diretrizes: desenvolvimento integrado do agronegócio; garantia da assistência técnica e extensão rural e urbana com qualidade; promoção da agricultura familiar sustentável; e, apoio ao processo de reforma agrária, mas o interesse em promovê-lo é pífio. O programa não encantou ninguém, nem o discurso; o que frustra dona Tercília e família, ávidos para melhorarem suas posições na distribuição da renda – 43% dos trabalhadores não têm renda, segundo o Ipea [Gazeta de Alagoas, 04/abr/2010] –, e aumento da riqueza é confirmada pelo avanço do PIB. E o Estado continua com os piores indicadores sociais e econômicos do País.

Confirmada a indecência da condição social do seu Antonho e família; ao Estado e ao Município competem como agentes da sociedade sustentar sua lógica familiar – terra [cultivos e mitos]; trabalho [suor e mais-valia]; e família [posse e sucessão e patrimônio imaterial] – em seu sítio pela prática de seus direitos: moradia, segurança alimentar, lazer, vestuário, seguridade social; e de seus deveres: preservar o meio ambiente, à família, à cultura; e facilitar o acesso às inovações tecnológicas, organizacionais e sociais e ao mercado [inclusive, o governamental, ainda baixo], e a um serviço estatal de pesquisa e extensão rural eficaz.

Ademais, seu Zé e mais 111 mil, Rosas, Onofres mesmo cultivando solos frágeis e degradáveis são responsáveis "por mais de 70% da produção em Alagoas" (Tribuna Independente, 04/mai/2010). E para mudar de posição social, dona Zeca, Chicos e Josefas necessitam superar suas apatias em relação as políticas públicas, ora autoritárias e monológicas, como aos seus modos de vida, ora conformistas, só dialetizando com outros cidadãos iguais e livres. Entendê-la. E assim, assegurar-lhes o compartilhamento da riqueza pública e o acesso e incremento da riqueza privada – A Mané o que é de Mané.

Artigo publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2010


quarta-feira, 21 de abril de 2010

Livrou-se da morte no PAU-DE-ARARA

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

A família toda partiu para São Paulo. Foi deixado bebê com os avós, era pequeno e doente. ...Naquele tempo não tinha ônibus e tiveram medo d’eu morrer na estrada”, comenta Haroldo, órfão do êxodo rural, agricultor, vaqueiro e barbeiro em Pilão do Gato/Ouro Branco [Gazeta de Alagoas, 24/01/ 2010].

Assim, os assentamentos feitos pelos programas federais, ora pelo INCRA, ora pelo Crédito Fundiário são essenciais para enfrentar esse tipo de penúria social e de degradação dos recursos e serviços naturais vividos pelos agricultores familiares, sobretudo, pela posse da terra, pelo estabelecimento da propriedade, e pela sucessão aos filhos, netos... .

Porém, é prática costumaz desconsiderar o uso atual do solo, da legislação ambiental e trabalhista [incluído o ECA], enfim da função social da propriedade [Art.186 da Constituição Brasileira], em propostas e ou projetos. E, invariavelmente, a propriedade adquirida é sempre pequena, em torno de 8 hectares [em Pão de Açúcar o módulo fiscal é 70 ha, em Maragogi é 16 ha]; aliás, está garantida a meta governamental como a pauperização dos campesinos, ora pela deficiente estrutura básica – água, energia, estrada, transporte, escola, saneamento básico, segurança pública –, pelo desprezo ao planejamento e a composição familiar [filhos, idade, sexo, escolaridade], pela insuficiência de renda familiar; ora pelo infortúnio minifúndio.

E assim com reflexos negativos às estruturas sociais rurais [família, associações, escola...]; à estrutura agrária [modos de produção e consumo, saindo dos princípios da revolução verde ao ecológico]; à garantia de renda decente oriunda da produção agrícola [inclusive por compras governamentais], e ou não agrícola como de renda não produtiva, ora pela criação de uma Bolsa Caatinga [usando o FECOEP – Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza], Bolsa Família, PETI, Vale Gás em resposta à proteção dos recursos naturais por não uso e a vida humana.

Essa prática acarreta danos irreversíveis aos agricultores, extrativistas, pescadores e familiares; pois, não tem gerado condições para mudar seus ambientes; solapa a cultura desses proprietários e suas famílias; repercute negativamente em suas condições de vida como compromete os objetivos desses programas. Aliás, também chama atenção à leitura fragmentada das informações contidas nos documentos sobre a realidade diagnosticada, gerada pela Academia e organizações ligadas ou não a esse setor, assim a sociedade e o estado, ainda não têm sido capazes de ajudar a alterar o quadro de pobreza ora posta, dos agricultores, extrativistas, pescadores e familiares, todos, em situação insustentável social, econômica, ecológica e patrimonialmente.

Pois, os agricultores, extrativistas, pescadores e familiares necessitam do acesso às inovações [tecnológicas, organizacionais e sociais], à gestão de bacias hidrográficas [conservação e preservação de florestas, caatingas, mangues, corpos d’água; à valorização da paisagem e da biodiversidade genética e cultural], inclusive com práticas contra os efeitos dos Gases do Efeito Estufa; e as políticas públicas: da segurança alimentar ao lazer, da produção ao vigoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente, e assim sustente-os em suas propriedades pela “constituição da hipoteca pelo domínio, ou seja, pela união mais íntima do homem à terra; a constituição da família pela perpetuidade e pela transferência do monopólio; enfim, a constituição da renda, como principio de igualdade entre as fortunas, esses são os motivos que, na razão coletiva, determinam o estabelecimento da propriedade” [Proudhon, Tomo II, 2007, p.204]; e promovem o bem-estar familiar e do entorno.

No entanto, o estado de "Alagoas concentra a distribuição de terras" - em 1985, era 0,858, agora em 2006, é de 0,871. O maior índice de Gini [mede desigualdade] do país (Gazeta de Alagoas, 01/10/2009). Inviabiliza, assim o estabelecimento da posse e sua sucessão, do bem-estar familiar e do entorno; e ainda aniquila o sentimento comunitário e o de pertencimento a uma identidade, a uma cultura própria, à campesina.

Então, é preciso planos, programas e projetos que habilitem, qualifiquem e valorizem o uso da terra, da água e da biodiversidade, e dê relevância ao bem-estar social [individual e coletivo] dos campesinos e suas famílias, sobretudo pelo seu protagonismo na esfera pública [a mulher e o homem falam e atuam ao exercitar a dialética, a cidadania igual e a liberdade individual]. Porque está em debate o uso e o controle da terra, da água, dos recursos genéticos e tributos. Aliás, por que não garantir a essas famílias à propriedade e uma renda – capazes de assegurar a posse e a sucessão – como elementos libertadores de suas vidas indignas.

Artigo publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alasgoas, 2010