sábado, 26 de janeiro de 2013

DEUS e o penitente

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

 Há uma intensa discussão sobre a política de subsídios no mundo, especialmente aqueles que são destinados ao setor agropecuário primário. Em geral os países procuram praticá-la, inclusive o Brasil; entretanto, o governo federal ainda assim, troveja contra os países e as pessoas favoráveis à adoção de uma política de subsídios condizente com a alta carga tributária [“quase 4 de cada 10 reais da riqueza gerada viraram impostos em 2009” (1)]; nesse ínterim, o agricultor e o extrativista familiares [inclusive suas crianças e adolescentes] a fazem utilizando suas mais-valias.

Observe: O governo oferece o Pronaf com juros subsidiados aos agricultores e extrativistas familiares [povos e comunidades tradicionais]. Mas, o valor financiado de R$ 1.785,00 pelo Banco do Nordeste do Brasil S/A, em Arapiraca / AL, por exemplo, para um hectare de mandioca produzir 18 toneladas/ha, em 2012, foi baixo.

É impossível vida digna com financiamentos tão precários. Além disso, tais agricultores tornam-se mais vulneráveis ao mercado exigente: seja pela baixa renda bruta por hectare e renda bruta por homem, baixa produtividade da terra, baixa qualidade e oferta inelástica do seu produto, produção em larga escala de terceiros, dificuldade de uso de tecnologias e inovações, custos de produção irreais, preços aviltados e sazonalidade dos serviços e produtos. Juntos, eles, a sociedade e o governo agem pelo critério irresponsabilidade ecológica e social – “Mais de 27% do estado já começou a virar deserto” (2).

Tais fatores efetivam a vida indigna. Em seguida, endividados precarizam a sociabilidade familiar e do entorno, suas formas e padrões. Porém, invariavelmente, a maioria deles continua cultivando seus sistemas produtivos com suas mais-valias. É comum empregar o crédito da usura para assegurar o desenvolvimento e a produtividade da atividade agropecuária e extrativista, no entanto, nem sempre dá certo. E para aqueles que contraem o financiamento, o insucesso é previsível, pois o valor por hectare é aquém da necessidade em mão de obra [e obriga-os usar a mão de obra infanto-juvenil e também não remunerar a mão de obra da sua mulher], em aquisições de insumos e em práticas de uso, conservação e proteção dos recursos naturais em seus sistemas de cultivo e extração. Aliás, se para alguns é baixo, para outros o crédito é ausente.

Ainda assim, os agricultores e os extrativistas familiares, os povos e comunidades tradicionais ajudam a assegurar a dinâmica dos negócios e impostos nos municípios e estados, mesmo ofertando empregos sem carteira assinada. Faturam rendas indecentes – Em Alagoas, os agricultores familiares do programa PAA Leite recebem R$ 0,76 por litro de leite bovino, está abaixo do custo de produção real. Assim transferem sua mais-valia para a indústria; dificultam seu acesso aos benefícios da seguridade social; contribuem para aumentar o dano ambiental [degradação dos potenciais ecológicos] e social [trabalho e prostituição infanto-juvenil, velhice desamparada] e outros migram [em êxodo rural]. Por fim, a dialética sobre essa penúria é solapada pela notoriedade do Pronaf.

Diante dessa situação, o governo noticiou e ofertou o Pronaf, como estratégia garantidora da diversificação e aumento da produtividade, renda, emprego e qualidade de vida dos agricultores familiares e beneficiários da Lei da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais. Anunciou 18 bilhões de reais para a safra 2012/13, com juros menores.

Ótimas ideias: o Pronaf Mais Alimentos. Entretanto, ainda é pouco dinheiro para escolhas tão caras: comprar trator, resfriador de leite, genética, recuperar solos, irrigar, por exemplo, para que a unidade produtiva planeje as atividades, ora por uso ou não uso dos recursos naturais, incrementando a produtividade da terra e da mão de obra; criando mercados cativos, inclusive pela indicação geográfica, a seus saudáveis produtos e serviços [por meio do associativismo, principalmente]; e assim assegurem rendas maiores e menos instáveis a si [e sua família] e aos outros trabalhadores da unidade social e geográfica. Quanto ao Programa Nacional de Habitação Rural / PNHR, o crédito à moradia é pequeno e escasso.

A partir disso, percebe-se que o governo é insensível para entender que o agricultor e o extrativista familiares precisam de financiamento que cubra seus reais custos de produção, e prazos longos para os investimentos; além de um seguro amplo e irrestrito, e eles não têm esse tipo de seguro. Sensíveis, eles subsidiam sua unidade produtiva e social com suas mais-valias e seus bens [com venda ou arrendamento] até o êxodo, e continuam pobres.

Exemplificando: em razão da estiagem – 12 milhões de cabeças de gado morreram no Nordeste, segundo o Conselho Nacional de Pecuária de Corte (3). Essa é a 72ª grande estiagem no Nordeste, segundo a Articulação do Semiárido / ASA (4) ; entretanto, os governos federal, estadual e municipal continuam a tratar esse evento como política clientelista – Em Alagoas, há 20 anos, fala-se do Canal do Sertão (5) , no Brasil, há 10 anos, iniciou-se a Transposição do Rio São Francisco (6), como forma de promover bem-estar à população do seu entorno com o uso múltiplo da água para abastecimento [humano e animal] e para atividades agrícolas. Com três certezas: Ambos vão continuar gastando uma dinheirama [já gastaram: o primeiro cerca de 1 bilhão de reais e o segundo 8,2 bilhões de reais]; ambos vão demorar para atender seus propósitos; e que o agricultor e sua família, mesmo com a diminuição e/ou perda dos ativos, dos quais os governos não têm um inventário, vão continuar transferindo sua parca renda para os setores industrial, comercial, financeiro e estatal, inclusive pelo uso da mão de obra de sua família. 

Aliás, por que não usar o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza / FECOEP para garantir uma renda não produtiva a esses desvalidos? Por exemplo, os agricultores e extrativistas familiares atingidos pela seca receberiam um valor mensal [um cartão magnético] enquanto durar o período seco para dar conta da alimentação do rebanho. Como permanecer na vida rural e/ou agrícola?

Nesse período, os agricultores estão recebendo o Bolsa Estiagem, R$ 400 em cinco parcelas (7). E aqueles agricultores cadastrados no Garantia-Safra recebem um extra, duas parcelas no valor de R$ 136 cada. Com R$ 216, sendo R$ 80, do Bolsa Estiagem e R$ 136, do Garantia-Safra. Com esse dinheiro o agricultor alagoano e família compra o equivalente a 1,4 kg de farinha de mandioca por dia para ‘passar bem’, ao preço de R$ 5,20 o quilo, por exemplo. Os preços dispararam devido à oferta inelástica dos produtos – raiz e farinha de mandioca, principalmente, pelo descaso do governo federal com a política de estoque regulador compatível com as necessidades da sociedade e a seca prolongada deixou claro que faltam políticas públicas para esses agricultores permanecerem nessa atividade e no campo.

“Com mais dois meses de Bolsa Estiagem e dois meses do Garantia-Safra, estamos garantindo renda para 1,5 milhão de famílias que vivem no semiárido”, avaliou a presidente Dilma Rousseff (8). E continua Dilma: “Melhorar a vida de cada um deles [dos brasileiros] não é só uma exigência ética. Não é só um compromisso moral. É assegurar que esse país explore todo seu potencial, que é ter cidadãos e cidadãs brasileiros capazes de produzir” (9).

“Sem o governo, só nos resta apelar para São Pedro”, diz um produtor de leite (10).

A diversidade de beneficiários da Lei da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais e da Lei de ATER, precisam de correções no texto constitucional para que outras políticas públicas atuem como estratégias eficazes a fim de ajudá-los a reproduzir suas lógicas familiares [terra e água, trabalho, e família] pelo acesso à riqueza pública e à riqueza privada. Essas leis, como: Programa Nacional de Habitação Rural e Política de Educação no Campo, são referências para melhorar suas condições de vida, por isso, apropriem-se.

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas

(1) Revista Exame, especial - impostos, 08/09/2012
(2) Gazeta de Alagoas, 24/01/2012
(3) Noticiado pelo Fantástico da Rede Globo,20/01/2013
(4) Madeiro, uol.com.br,04/05/2012
(5) O Extra {de Alagoas], 26/01/2013
(6) Noticiado pelo Fantástico da Rede Globo,20/01/2013
(7) Tribuna Independente [de Alagoas], 20/07/2012
(8) Gazeta de Alagoas, 06/11/2012
(9) O Jornal [de Alagoas], 17/06/2012
(10)Gazeta de Alagoas, 22/01/2013

sábado, 12 de janeiro de 2013

OBSERVE como vive

Marcos Antonio Dantas de Oliveira



O curso da história tem mostrado que os interesses, ideologias e o poder forjam os valores morais e princípios legais da convivência humana. Dessa forma, é importante relatarmos os esforços em favor de um desenvolvimento fracassado, que acontece por não considerar os indispensáveis fatores: ecológico, demográfico, filosófico, cultural e afetivo; e toda a cadeia de relações existentes no centro de toda cultura; no caso, o estilo de vida rural e suas estreitas relações com a terra, com a natureza e com o citadino. Ademais, esse modo de vida é subdimensionado e subavaliado na maioria dos projetos de desenvolvimento. E os agricultores e extrativistas familiares, os povos e comunidades tradicionais  sentem a lógica de suas reproduções culturais – natureza e mitos, cultivos e extrativismos, suor e mais-valia, transmissão e posse, patrimônio imaterial e bem-estar – escapar-lhes por entre os dedos.

É conveniente ressaltar que o sistema capitalista baseia-se em uma ordem em que os atores evoluem e se comportam de acordo com normas que assegurem o fluxo da vida econômica [produz muita riqueza – apropriação, lucro e acumulação de rendas e riquezas e muito egoísmo]  e a reprodução do capital. Esgarça o tecido social pela impunidade, por exemplo,"combate à corrupção não atrai alagoanos" [1]. E por danos ecológicos [degrada as estruturas e funções ecssistêmicas]; contudo são abrandados por hipnótico merchandising feitos pelos ‘donos do poder’ [pelos que dão ordens e pelos que dão conselhos] e pelo Estado.

A bem da verdade, esse sistema continua produzindo muita riqueza privada e pública, principalmente nos últimos 30 anos. O PIB mundial está na casa dos 70 trilhões de dólares e a população em 7 bilhões; portanto, daria para todos repartirem o consumo; viverem uma sociedade convivial. Esse sistema concentrou renda e poder, gerando um colonialismo ambiental grave, exercido pelos ricos, entre países e dentro dos países, sobre os pobres.

Nunca os problemas ambientais foram tão graves, as dimensões são globais  historicamente, o homem assume-se como um fazedor de desertos [Euclides da Cunha: Os sertões]. Nunca a liquidação das culturas tradicionais foi tão perversa e global. Portanto, continua prevalecendo o projeto e a prática senhorial sobre os recursos e serviços naturais e os tributos, indo de encontro aos interesses da maioria das nações, dos povos, dos rurícolas, dos agricultores e extrativistas e suas famílias e, como resultado: os insustentáveis estilos de vida atuais comprometem os das futuras gerações.

Enfrentar esses conflitos é urgente, já que os extrativistas, os agricultores, seus familiares e suas comunidades em um contexto mundial em transformação, precisam provocar uma alteração social equitativa nos benefícios e nos encargos da cooperação social; afirmar os valores democráticos [liberdade, igualdade e fraternidade], e a eles se ajustarem sem negar a riqueza de elementos de suas tradições.

É nessa perspectiva, que o saber ambiental emula, articula a concertação entre realidades diferentes: conhecimento da vida moderna e da tradicional, do modo de vida dos ricos e dos pobres; e inteirando-se dessa realidade, diagnostica e orienta a construção de organizações sociais capazes de projetar tendências que corrijam os excessos dos sistemas: produtivo e consumista atual; e ensejem uma vitalização no sentido mais profundo da vida, e não uma ilusão, através da acumulação de rendas e de riquezas, não se deseja a permanência de um mundo comum forjado na Declaração Universal dos Direitos Humanos [1948]: “igualdade de todos os seres humanos”.

No entanto, "o mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite uma perspectiva", enfatiza, Hannah Arendt [citada por Cardoso Júnior, 2007]. Sem mundo comum, o cotidiano dos indivíduos continua sofrendo grandes alterações, e elas são ruins para a maioria da população alagoana, brasileira e mundial, pois seus modos de produzir, consumir, distribuir os bens e serviços, de lazer, de proteção aos ecossistemas, de salvaguardar o patrimônio imaterial estão em franco processo de esgotamento social, tanto pela degradação dos solos e águas [baixas produtividades], como pela baixa remuneração das atividades, baixa escolaridade, baixa eficácia das políticas públicas [em geral], alto grau de informalidade nos empregos, rendas e mercado, e  velocidade da tecnologia informacional, por exemplo.

E, neste contexto, o agricultor e o extrativista familiar [povo e comunidade tradicional] dão conta de que suas lógicas familiares não sobrevivam sem as relações existenciais com a natureza [ciclo da vida],dialéticas, cidadãs e libertárias de homens e mulheres [adultos, jovens, crianças, citadinos e rurícolas], ricos e pobres; pois, “cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros” [Rawls, 2002]. Então, todos ao diálogo e ao compromisso.


[1]  Tribuna Independente, 10/dez/2010



 Publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2012