domingo, 19 de agosto de 2012

Para a exuberante INIQUIDADE


Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Muito sofisma. Governo oferta o Pronaf, como estratégia garantidora da diversificação e aumento da produtividade, renda, emprego e da qualidade de vida dos agricultores e extrativistas familiares - dos povos e comunidades tradicionais. Anunciou 18 bilhões de reais para a safra 2012/13 [custeio e investimento], com juros subsidiados para comprar trator, resfriador de leite, genética, recuperar solos, irrigar cultivos, ofertar ecoturismo, cumprir a legislação ambiental, por exemplo.

É muito pouco dinheiro para atender a demanda de pelo menos metade dos 4,3 milhões de agricultores familiares. Pois, “um 1/3 dessas famílias produz apenas para se alimentar e nem sequer vende a produção. Entre as demais, a renda média é de apenas 13.600 reais por ano” (Exame, negócios/ agricultura, 13/jun/2012). E o governo federal as coloca como classe média, renda familiar per capita por pessoa de 291 a 1.019 reais [SAE da Presidência da República] – um despautério.

Em verdade, elas estão em iniquidade social – pois, o pequeno excedente comercializável por hectare não dar conta de diminuir a extrema desigualdade de renda e patrimônio.

E independente do financiamento, que ainda é para poucos. Invariavelmente, a maioria continua cultivando seus sistemas produtivos. É comum o crédito da usura para incrementar a produtividade da terra e da mão de obra, que nem sempre dá certo; ainda assim transferem suas rendas aos setores dominantes: comercial, financeiro, industrial e estatal de modo permanente e brutal, e inviabiliza o êxito da atividade com repercussões ruins na unidade geográfica, produtiva, social e familiar, principalmente, às crianças, jovens rurais e mulheres. 


Ainda assim, sensíveis para produzir mais excedente por hectare, subsidiam a unidade produtiva com suas mais-valias e seus bens até o êxodo rural. E, endividados precarizam a sociabilidade familiar e do entorno. Assim continuam pobres.

Outro agravante, a maioria desses agricultores está descapitalizada e em insegurança alimentar; é minifundiária e analfabeta; é degradadora dos recursos naturais; e estão em insegurança jurídica, portanto, com muitas dificuldades para planejar e executar as atividades agrícolas e não agrícolas na unidade produtiva e familiar, seu negócio.

O que torna-os mais vulneráveis ao mercado pela condição minifundiária [não incorpora as externalidades: custos sociais e ecológicos ao sistema produtivo]; pelo baixo grau de escolaridade [praticamente não há empreendorismo]; pelos custos de produção irreais e pelos preços aviltados [limitam o uso de tecnologias, inovações e seguros]; pelas ocupações e rendas precárias, instáveis e muitas ilegais estão na informalidade [do trabalho infanto-juvenil - um desrespeito ao ECA - à jornada ampliada e sem remuneração, principalmente das mulheres]; pela não agregação de valores aos bens e serviços migram em êxodo; pela taxa de câmbio supervalorizado menos empregos; pelas importações subsidiadas mudanças no perfil da demanda e da oferta; pela apatia dos agricultores ineficiência do serviço de pesquisa, assistência técnica e extensão rural estatal e não estatal.

Esse modo de produção e consumo também aniquila sistematicamente a lógica do agricultor e do extrativista familiares – terra, água, trabalho e família – ora pela aceleração da degradação do solo, da água, da biodiversidade; pela precariedade do uso do patrimônio imaterial, ainda que rico; pela falta de uma politica pública consistente aos jovens rurais e às mulheres – “Agricultoras reclamam da dificuldade em acessar Pronaf Mulher em Mato Grosso (Globo Rural,13/ago/2012). Efetiva-se, à vida indigna. E assim sua penúria é solapada pela notoriedade midiática do Pronaf, e confirma-se o sofisma.

Ainda assim, ajudam a assegurar a dinâmica dos negócios e impostos nos municípios e estados, mesmo com empregos sem carteira assinada. Faturam rendas precárias – R$ 0,76 por litro de leite bovino pago ao agricultor familiar de Alagoas, pelo governo federal [80%] e estadual [20%] no programa do leite e sem reajuste desde 2010. Ademais,produtores de leite de todo o país reclamam que o preço pago pela indústria não cobre os custos de produção. Para superar a crise e aumentar a margem de lucro, especialistas orientam que é preciso investir mais em tecnologia” (UOL Notícias17/08/2012). Dificultam seu acesso aos benefícios da seguridade social. Contribuem para aumentar o dano ecológico [“Mais de 27% do estado já começou a virar deserto” (Gazeta de Alagoas, 24/jan/10)].


Nessas condições, produzir para o autoconsumo e ou para criar nichos de mercados de produtos e serviços é possível ao apropriar-se dos recursos naturais e dos tributos; e assim pode intensificar o uso da terra [e dos recursos genéticos e saberes tradicionais]; incrementar a produtividade de todos os fatores; administrar [e contabilizar] os ativos e passivos; e ao gerar excedente por hectare garante a segurança alimentar da unidade familiar com boas repercussões na unidade produtiva, social e geográfica, e aos interesses dos consumidores, da sociedade. Será uma agricultura sustentável?

Só empoderados, os agricultores e extrativistas familiares [povos e comunidades tradicionais], cidadãos iguais e livres dialetize às Leis: 11.326 [Da Agricultura Familiar e dos Empreendimentos Familiares Rurais] e a 12.188 [de ATER], vitais para que a política de Educação no Campo; de Reforma Agrária; de Habitação Rural; de Juventude Rural; de Seguridade Social; de Fortalecimento da Agricultura Familiar e outras políticas públicas atuem como estratégias eficientes para sustentá-los em suas lógicas familiares: terra e água [coleta, cultivo, mito], trabalho [pluriatividade e mais-valia] e família [sucessão, propriedade privada e comum, patrimônio imaterial]. E por meio do associativismo, principalmente, compre e venda produtos e serviços, e  assegure renda líquida, inclusive para o lazer a si [e sua família] e benefícios a outros trabalhadores da unidade social e produtiva, como opção de permanência no campo.

“A politica agrícola precisa atingir dois objetivos, dar oportunidades de modernização para todos os agricultores e amparar aqueles que vão ficar à margem até que possam ser absorvidos pelas cidades” [Alves, 2001].

Portanto, é pelo controle dos recursos naturais e dos tributos que os agricultores e extrativistas familiares [os povos e comunidades tradicionais] usam essa  política pública, e garante-lhes usufruto dos bens primários [liberdades, cidadania, renda, felicidade.... ], vida digna.

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2012

sábado, 4 de agosto de 2012

SOBRAS, sabe para onde elas vão?


 Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Por curiosidade leia nos jornais: os Editais de convocação de assembleias de cooperativas e note, é comum nesses editais a quase ausência do importante princípio estatutário: a distribuição de sobras – “Eu entrei no site das cooperativas do Brasil, e no final do ano, os lucros são divididos entre os cooperados, e aqui em Pindorama ninguém ver ou sabe para onde foi ou vai”, diz Maria José [Alagoas Negócios, 31/jul/2009]

Ainda assim, apático e ou sem entender bem do seu negócio – a cooperativa – o dono-cooperado acredita que ela é uma ferramenta relevante para minimizar as dificuldades do seu dia a dia.

E fascinando pelo ideário cooperativista, insiste na tese de que a cooperativa ajuda na execução de estratégias que lhe garanta a sustentação do seu sistema produtivo e social ao  acesso aos insumos; da valorização da sua mão de obra ao seu uso e não uso dos recursos naturais; do seu patrimônio imaterial à arrecadação e distribuição dos tributos; da comercialização dos seus produtos e serviços aos encargos e benefícios da cooperação social, sobretudo, da sua liberdade individual.

Entre as estratégias: a criação de um fundo de capital, oriundo dos depósitos de seus membros, e do resultado econômico dos negócios da sociedade, a sobra. Ela é vital essencialmente para melhorar seus estilos de vida [e reproduzí-los]. Esse fundo de reserva tanto é o ponto de partida para o êxito da cooperativa, como a distribuição de sobras é a garantia de que seu negócio está sob seu controle; e ainda anima a militância.

Na Inglaterra de 1848, a Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, dos tecelões da indústria, sabiamente destinou também das sobras – 2,5% para fins da educação geral. E essa regra auxiliou em muito o engrandecimento da cooperativa como instrumento de enfrentamento para a melhoria das condições sociais e econômicas dos donos-cooperados. E deu-lhe fama mundial.

Em Alagoas, começo dos anos de 1980, a Cooperativa Agro-pecuária e Industrial de Arapiraca [Capial] praticou a distribuição de sobras e proporcionou acesso: a redistribuição econômica e patrimonial – com incremento das riquezas privadas –, e a melhoria dos serviços sociais aos donos-cooperados e moradores da região; e consolidou a região fumageira como centro de debates dos citadinos, rurícolas e agricultores familiares, tanto para formular, executar, avaliar e corrigir as políticas públicas de segurança alimentar, lazer, saúde, renda, alfabetização, associativismo, comercialização, uso e não uso dos recursos naturais, consumo e tributos.

Em tempo: o associativismo nessa região nasce com a Capial, em 1963. Então, do pioneirismo da Capial [e do entusiasmo de Lourenço de Almeida] vieram os sindicatos [fins dos anos 60] e as associações [início dos anos 80]. Mas, foi à distribuição de sobras que lhe deu fama regional.

Assim as regras têm relevância na consolidação da cooperativa, enquanto ativismo e projeto social; por isso, os donos-cooperados necessitam fortalecê-las em suas organizações. Foi vital, o uso da regra distribuição de sobras pelos Pioneiros de Rochdale como pelos Pioneiros da Capial, na Região Fumageira de Alagoas. 

Ademais, o ativismo e a prática cooperativista são caminhos para construir uma sociedade mais eqüitativa, mais solidária, mais respeitadora da natureza; ajudar na transformação das áreas rurais com fortes problemas na distribuição dos ativos fundiários, da renda, do acesso aos bens primários e serviços públicos; e que o associativismo por seu caráter massivo, por amplitude e por sua manutenção no tempo continue dialetizando ideias e experiências ecológicas [ciência e saberes] e culturais [conjunto de ferramentas, hábitos, instituições, normas, rituais, ritos, aprendizados, sentimentos, atitudes etc. que um agrupamento humano possui] para o bem-estar, à dignidade de todos.

Pois, o que sustenta a cooperativa ao longo do tempo é a capacidade estratégica dos donos-cooperados de discernir e antever o que é essencial para gerar continuidade de seus negócios nos diversos contextos e cenários; é a consonância com a evolução das demandas da sociedade, dos indivíduos, cooperados e não cooperados. E nesse sentido, revela que o arranjo de idéias e realizações de homens e mulheres [de jovens] que acreditam: a cooperativa é mais do que uma ferramenta econômica, é a consolidação de aspirações idealistas; sobretudo, de elevado caráter social e democrático.

Aos donos-cooperados à apropriação do resultado econômico do seu negócio, as sobras. A distribuição de sobras é vital para elevar a cooperativa e o associativismo, e resguardar o acesso e usufruto dos bens primários [renda, alimentação, inteligência, liberdades fundamentais, cidadania igual, felicidade...], à dignidade dos donos-cooperados e suas famílias.

Publicado pelo jornal: Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2012.