segunda-feira, 26 de setembro de 2016

SIMPLES assim, QUIÇA!

                        Marcos Antonio Dantas de Oliveira[1]
Qualquer debate deve visar à promoção de bem-estar para a sociedade. Destarte, devemos compreender bem-estar como o usufruto de bens tangíveis e bens intangíveis; e John Rawls [2002] nomeia esses bens, ei-los: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos. E as crianças precisam gozar desse bem-estar – http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/09/governo-lanca-sistema-de-monitoramento-para-combater-trabalho-infantil

Decerto que, a prosperidade, a riqueza de um país, de um município, de um negócio está umbilicalmente ligada a quatro forças motrizes: recursos [bens] naturais, bens de capital, capital humano e eficiência de governo. De modo que, o Banco Mundial e a Cruz Vermelha [2005] fizeram um estudo para avaliar a prosperidade nos países e concluíram: no Brasil, os recursos naturais são responsáveis por 18%, nos Estados Unidos e na Europa 2%, cada um; os bens de capital, respondem por 14%, 13% e 17%; o capital humano e a eficiência de governo somado atingem 68%, 85% e 87%, respectivamente. O quê confirma que no Brasil, o usufruto dos bens naturais é mal usado e sujeito à grilagem [a quem serve o Cadastro Ambiental Rural?]; como é baixo o usufruto dos bens de capital, do capital humano e da eficiência do governo, principalmente, pelos 3,9 milhões de beneficiários da Lei 11.326/2006. 

E a competente ineficiência de governo [poder legislativo, executivo e judiciário] assegura através de uma hipnótica mídia que os serviços de educação, saúde pública, arrecadação, fiscalização, a segurança jurídica e a vida privada estão qualitativamente de bom tamanho nesse Brasil, ou seja, nega que além do fosso geométrico entre o nível de renda das diferentes classes sociais, da riqueza patrimonial, do bem-estar acumulado no Brasil por uns poucos; há uma riqueza oculta, que ainda não tem sido estimada e que nos países anglo-saxões é conhecido como rule of law - Estado de direito. Como também é notória a apatia da população pelos assuntos públicos - pelas instituições econômicas e políticas inclusivas locais e globais.
                                                                                                              
Por exemplo: a ‘Reforma agrária’ por não tratar da função social da terra [artigo 186 da Constituição federal]; nem tampouco, do  artigo 4º, inciso III do Estatuto Terra, que trata do módulo rural  é um arremedo surreal. Decerto que, o desenvolvimento da agricultura brasileira está baseado nos ganhos de produti­vidade [Gasques et al., 2012]; e segundo Alves, Souza e Rocha [2012] versando sobre a função de produção agrícola: “um aumento de 100% na renda bruta pode ser explicado pela tecnologia [68%, pelo trabalho [23%] e pela terra [9%]”. Indubitavelmente, o agricultor familiar necessita elevar a produtividade de todos os fatores, mas, descapitalizado e analfabeto, no seu dia a dia continua a usar uma inovação que tem 500 anos de Brasil: a enxada, por falta ou inoportuna orientação, por outro lado, usa inovações atualíssimas: o telefone celular, a internet, mídias espetaculares que devem ser usadas no seu negócio – esse acontecimento não é um jogo de soma zero.

Além disso, o Censo Agropecuário 2006 [IBGE, 2006] registrou cerca de 4,4 milhões de estabelecimentos e, desses, 500 mil [11,4% do total deles] foram responsáveis por 86,6% do valor da produção. Nesse grupo 27.306 estabelecimentos geraram 51,2% do valor da produção. E os 3,9 milhões de estabelecimentos (88,6% do total), geraram 13,4% do valor da produção –  E nesse grupo há 2,9 milhões de estabelecimentos [66,0% do total] que contribuíram com 3,3% do valor da produção. Deixando claro que poucos estabelecimentos produziram muito e, que muitos estabelecimentos produziram muito pouco –  https://www.youtube.com/watch?v=roaHOYLZG_Y

Entrementes, a renda bruta dos estabelecimentos de até 100 ha varia: de maior que zero até 02 salários mínimos; de 02 a 10 salários; de 10 a 200 salários e; maior de 200 salários mínimos. Na primeira classe, 2,9 milhões estabelecimentos [66,0% do total] geraram por mês 0,52 salário mínimo. No Nordeste vivem 57,2% deles. Em Alagoas, 97,4% do total dos estabelecimentos têm até 100 ha [Censo Agropecuário, 2006, IBGE, 2006] – nessa classe, a renda baixa inviabiliza até os empregos ilegais, inclusive, em maioria na atividade agrícola.

E Duarte et al.[2006] constata: para cada R$ 1,00 gerado da agricultura familiar: R$ 0,18 ficam para quem comercializa sementes e outros insumos; R$ 0,70 ficam com quem industrializa e comercializa. Portanto, da renda gerada por esse agronegócio, só 12% é apropriado pelo agricultor familiar, confirmando sua penúria social. Nesse sentido, o agricultor familiar é um grande transferidor de renda – transfere dos capitais: água, solo, fertilidade, trabalho familiar não remunerado, jornada ampliada [incluído o trabalho infanto-juvenil e da mulher] e preço de mercado inferior ao custo de produção [inclusive por não saber ler] – à conta-corrente dos setores dominantes à montante e à jusante do agronegócio: o industrial, o comercial, o financeiro e o estatal. É público e notório que sua família precisa de outras rendas econômicas e de uma política de renda redistributiva, pois, vive à margem da renda mínima proposta pelo Dieese de R$ 4.013,08 [para setembro/2016], para dar resposta ao artigo 7º da Constituição federal.

Outro agravante: o pouco acesso ao mercado interno [principalmente o de compra governamental] e ao mercado externo dos seus produtos in natura, artesanais e industrializados. O governo federal precisa garantir que o Sistema Harmonizado de mercadorias da Organização Mundial do Comércio/OMC – o Acordo sobre Agricultura [baseado nos critérios: apoio interno, acesso a mercados, subsídios à exportação] não exclua os beneficiários da Lei 11.326 com suas ofertas e demandas inelásticas de produtos e serviços a esses mercados desafiadores. Mais outro agravante chama nossa atenção, a baixa renda da população: 79,02% tem rendimento de até 03 salários mínimos, contudo, é quem paga mais impostos, 53,79%  – http://economia.uol.com.br/noticias/infomoney/2014/08/14/injusto-quem-recebe-ate-tres-salarios-minimos-e-quem-mais-paga-impostos-no-brasil.htm
                                                  
Certo e sabido é que os beneficiários da Lei 11.326, a maioria minifundiários, entre eles: os jovens rurais, em geral, têm dificuldades para preservar e utilizar os recursos naturais, os impostos e o Big Data; não têm capitais para financiar o custo de produção real, nem à adoção de inovações, ocasionando danos à alavancagem da produtividade de todos os fatores; têm dificuldades para preservar e usar o patrimônio imaterial, a exemplo do folclore, da alimentação típica e da atração turística; pouquíssimos usam a certificação de indicação geográfica e ou da agricultura orgânica [agroecológica]; outros poucos fazem a militância associativista; a maioria tem prejuízos econômicos por negociarem em mercado imperfeito, inclusive suas cooperativas; e pelo contínuo êxodo de jovens, perde-se o bônus demográfico. E revelam uma gestão ineficiente com danos à sua renda, ao seu bem-estar; e de certo modo, esgota-lhes a capacidade para empreender e expressar os benefícios da multifuncionalidade de sua lógica familiar [terra, trabalho e família] à sociedade contribuinte e consumidora.

Seu negócio, a agricultura, para a maioria, é insustentável econômica, ecológica, social e patrimonialmente. E ao aumentar a pegada ecológica degrada a biocapacidade da natureza repercutindo negativamente no montante de terra e água e de mão de obra que poderia prover-lhes bens e serviços sustentáveis. Por isso, devem exigir que os governos disponibilizem serviços públicos essenciais de qualidade, entre eles: o serviço de pesquisa agropecuária e de extensão rural, aliás, nesse serviço os governos gastam pouco e mal para promovê-lo junto à sociedade, enquanto, atividade de educação não-formal continuada e permanente [Lei 12.188/2010] para orientá-los em modelos de negócio e na colocação dos produtos e serviços certificados, sustentáveis e rentáveis, no mercado à disposição da sociedade; e nos estados nortistas e nordestinos, esse serviço é ineficiente – um despautério governamental pela apatia da sociedade. Ah, seu negócio se realiza e se reproduz se estiver em sintonia: o serviço eficiente [inclusive o de pesquisa agropecuária e extensão rural, e de saúde pública], a organização da produção do entorno, a estabilidade da relação preço do produto-preço do insumo, a oferta e demanda elásticas do produto e serviço certificados e o poder aquisitivo da sociedade - mercado perfeito.
           
É no locus da política que se debate o controle dos recursos naturais, dos tributos e das políticas públicas [distributivas, redistributivas, reguladoras]; das incertezas social, econômica e ecológica; das liberdades fundamentais; dos negócios privados e públicos, individuais e coletivos; dos princípios da Administração pública; do bem-estar. Como prosperar em bem-estar se não há usufruto dos bens primários propostos por John Rawls [2002]: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos. Se o controle e o uso dos bens naturais e dos impostos estão sob a guarda do ‘príncipe’. Se o Estado, enquanto uma associação de iguais, não tem um Projeto de Desenvolvimento Sustentável. 

Esses beneficiários e os stakeholders presentes nos ambientes e arranjos institucionais ou não necessitam de governança e governabilidade eficazes para solucionarem os agravos ao bem-estar; pois o bem-estar proposto por John Rawls se efetiva pelo exercício do Estado de direito com todos numa concertação de instituições inclusivas, essas, quando políticas "asseguram a ampla distribuição do poder e restringem seu exercício arbitrário.", essas, quando econômicas "geram uma distribuição mais equitativa de recursos, facilitando a persistência de instituições políticas inclusivas", descreve-nas Acemoglu e Robinson, no livro: Por que as nações fracassam.




[1] Mestre em Desenvolvimento Sustentável, membro da Academia Brasileira de Extensão Rural/ABER, professor da UNEAL, extensionista da EMATER-AL/Carhp, diretor do SINDAGRO, articulista da Tribuna Independente,  Maceió/AL - artigo publicado na Trebuna Independente.
Blog:   sabecomquemestafalando.blogspot.com

domingo, 4 de setembro de 2016

E no SÉTIMO DIA ...



    Marcos Antonio Dantas de Oliveira

... Da criação do mundo, a mulher e o homem escolheram o mundo do trabalho – “comerás o pão com o suor do seu rosto” – está posto o trade-off: mundo do não trabalho versus mundo do trabalho. Milenarmente, o homem deixa de ser coletor e caçador dos produtos da natureza para ser agricultor - agricultura é uma atividade econômica que baseada na preservação e uso dos recursos naturais, na produtividade de todos os fatores, na diminuição dos custos de produção, na certificação do produto, no mercado perfeito, no conhecimento e na eficiência de governo pode assegurar renda e permanência de todos os envolvidos na atividade e promover bem-estar à sociedade.

Em 1775, por pressão do mundo civilizado, o marquês do Pombal ‘liberou’ os índios do trabalho escravo; no entanto, neste século, há uma precariedade multidimensional na vida indígena; de modo que, é real que os índios continuem sua rotina de exigência para que o Estado demarque suas terras - https://www.ecodebate.com.br/2014/09/22/protecao-das-terras-indigenas-ti-em-xeque/
                                       
Já em 1850, o império criou a Lei das Terras, que impedia o acesso à propriedade titulada, a não ser pela compra. E, 113 anos depois, a princesa Isabel ‘liberou’ os negros do cativeiro, mas aos seus descendentes, resta-lhes pedir proteção governamental - https://www.ecodebate.com.br/2016/08/08/quilombolas-pedem-apoio-na-protecao-de-seus-territorios-ameacados-pela-mineracao/
          
Em 1964, o Estatuto da Terra que tem como objetivo acabar com o latifúndio e o minifúndio continua um sonho; e de 1988 para cá, a Constituição cidadã não consegue garantir o acesso a terra para milhões de brasileiros; e os minifúndios com empregos e rendas precários continuam crescendo [80% dos estabelecimentos têm até 14 hectares (IBGE)], em terras inaptas ou com restrição para o cultivo agrícola, principalmente, e ou degradadas por seus antigos proprietários continuam a praticar uma agricultura de sobrevivência e a esvaziar o campo – inclusive pelo êxodo das mulheres.
                                       
Aliás, o Estado executa uma ‘Reforma agrária’ que não leva em consideração o artigo 186 da Constituição federal [o aproveitamento racional e adequado; a utilização dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores]; nem tampouco, o Estatuto da Terra [Lei 4.504/1964] – que objetiva: o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, absorve-lhes toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros, daí o fiasco.
                  
Ademais, ao longo desses últimos 500 anos, um feito notável dos foras-da-lei: a grilagem de terras é fato público e notório. E o Cadastro Ambiental Rural/CAR potencializa essa grilagem por deixar a vontade os grileiros de terras privadas e de terras públicas devido a não aplicação dos princípios da Administração pública. A grilagem e o crime aumentam a penúria dos beneficiários da Lei 11.326, por exemplo - https://www.ecodebate.com.br/2016/08/08/crime-e-grilagem-com-uso-do-cadastro-ambiental-rural-car/
                            
De maneira que, até hoje, o acesso à propriedade titulada continua em disputa; a concentração fundiária se estabelece baseada no latifúndio e no minifúndio; e o alto o coeficiente de Gini reforça que a desigualdade continua em alta nesse Brasil de tantas oportunidades, e tem provocado muitas mortes no campo, mortes que têm sido denunciadas pela Comissão Pastoral da Terra/ CPT - e o filósofo Aristóteles há mais de 2 mil anos, já denunciava essa brutal e crescente desigualdade -
https://www.ecodebate.com.br/2016/08/15/acusado-de-tentar-matar-trabalhadora-sem-terra-maior-desmatador-da-amazonia-tem-nova-prisao-preventiva-decretada/



Então, a ‘Reforma agrária’ é uma política surreal. “No ano de 2012, o Brasil assistiu a Reforma agrária alcançar seus piores indicadores em décadas”, segundo a CPT/Regional do Nordeste II. E uma leitura do link que segue confirma como o governo federal é tão ineficiente na execução e fiscalização da política redistributiva -   http://outraspalavras.net/alceucastilho/2016/01/05/reportagem-do-fantastico-sobre-incra-esta-correta-mas-falta-mais-reforma-agraria/

E o desenvolvimento agrário e agrícola continua promovendo desigualdades regionais, econômicas, sociais e ambientais, incertezas, inseguranças e mal-estar por falta de um plano diretor; nesse sentido, políticas públicas capazes de promover a prosperidade e o bem-estar proposto por John Rawls, que se dar pelo usufruto de bens primários – autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos resulta numa quimera. E ao beneficiário da Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, resta-lhes contentar-se com o marketing a respeito de sua importância à mesa farta – a agricultura familiar produz 70% dos produtos consumidos. Contudo, a renda bruta dos estabelecimentos de até 100 hectares varia: de maior que zero até 02 salários mínimos; Nessa classe, há 2,9 milhões estabelecimentos [66,0% do total] que geram por mês 0,52 salário mínimo [Censo agropecuário, 2006] – resta-lhes a exuberância de sua penitência.

Nesse sentido, no Brasil, os agricultores e extrativistas familiares, os povos e comunidades tradicionais, os jovens rurais, ainda vivem a procura da terra prometida. Pois, no Brasil rural, 78,4% dos lares com renda per capita até ¼ do salário mínimo estão em insegurança alimentar (IBGE). Um caos: falta-lhes até uma dieta para sobrexistir, e longe do uso do Codex Alimentarius, vivem na contramão do direito à alimentação [uma garantia constitucional]. Aliás, remonta ao período colonial a ineficiente distribuição de bens, serviços e benefícios resultantes da cooperação social e econômica – e numa visão mais larga, os príncipes apropriam-se do controle dos recursos naturais e dos impostos, e do bem-estar em Rawls.

Indaga-se: os beneficiários da Lei 11.326 estão em demasia na terra?