sábado, 27 de outubro de 2012

A busca pela FELICIDADE [pelo Éden]

 Marcos Antonio Dantas de Oliveira


O Índice de Satisfação de Vida dos brasileiros, em março de 2012, foi de 107,5 pontos para aqueles que ganham entre 5 a 10 salários mínimos; e para aqueles que ganham até 1 salário mínimo foi de 101,5 pontos [O índice é de base 100 e, quanto mais alto for, maior a satisfação com a vida] [1]. Aliás, a maioria dos domicílios [60,7%] tem renda de até 1 salário mínimo, a incluir os lares dos agricultores e extrativistas familiares, dos povos e comunidades tradicionais; portanto, são famílias insatisfeitas com a vida que têm [2]. E o baixo grau de escolaridade torna mais difícil entender, solucionar ou minimizar essas insatisfações, pois gera mais incertezas sobre sua inclusão produtiva e social ao mundo da felicidade.

Em geral, a agricultura exige muita água, terra, insumos; e é ineficaz economicamente – 1,2 milhão de pequenas propriedades não gera renda [revista Exame [3]]. “Somente as classes de área igual ou superior a 200 hectares [ha] oferecem remuneração superior ao salário mínimo”. “Em resumo, a remuneração da agricultura é muito baixa, especialmente para os estabelecimentos de área inferior a 100 ha” (ALVES et al., 2006, p.51). Essa renda precária e instável acentua a migração, em êxodo rural, e dá rosto aos retirantes – são as filhas e filhos mais escolarizados os primeiros a sair sem opções de permanecer no campo em todas as regiões do país.

E o governo propaga midiaticamente a exuberância da agricultura familiar. Mas, para ser ‘exuberante’ o agricultor familiar precisa investir em infraestrutura e logística, incrementar a produtividade de todos os fatores, num ambiente de negócios com segurança jurídica, um agricultor que interprete textos e um consumidor fidedigno pelo produto e serviço gerados.

“A luta pela existência. Devo advertir antes de tudo que uso essa expressão num sentido amplo e metafórico, que inclui a dependência de um ser a outro e – o que é mais importante – inclui não só a vida do indivíduo, mas também o sucesso de deixar descendência”, ainda ressoa Charles Darwin.

Tal busca depende de novas relações para aprender a conhecer, do aprender a fazer, do aprender a ser, e do aprender a viver junto de agricultores e extrativistas familiares, povos e comunidades tradicionais, mulheres e jovens rurais, citadinos e rurícolas, analfabetos e alfabetizados, oprimidos e 'donos do poder', e as famílias para fazer o controle social dos recursos naturais[4] – renováveis e não renováveis [uso, conservação e preservação] –, dos tributos [arrecadação e distribuição], dos serviços, inclusive de pesquisa agrícola e ATER, das políticas públicas [distributiva, redistributiva, reguladora e constitucional],  e para empreender[5] com eficiência, eficácia e efetividade devem considerar o trade-off: superávit da biocapacidade da natureza e déficit da pegada ecológica [degradação e consumo de bens e serviços programadamente precoces e obsoletos] tanto para o mercado local como para o mercado internacional através de legislação e fiscalização do Estado a fim de atender aos interesses da sociedade através do balanço social[6] [e ecológico], e ofertar vida digna aos consumidores e produtores.

Esse controle deve ser permanente, interagível, informa-cional, sustentável e baseado em padrões de sociabilidade e formas de socialização que tenham como norte os princípios ecológicos, proposto por Capra (2002) [interdependência, parceria, cooperação, diversidade, flexibilidade, reciclagem, fluxo cíclico da natureza]. E com uma governança [7] corporativa eficaz o Desenvolvimento Sustentável[8] [e suas dimensões] ocorra fundamentado pelos princípios da economia ecológica; e assim garanta um PIB com mesa farta, vida digna sincrônica e diacronicamente a todos.

E, nesse mundo de tantas assimetrias não está claro para os rurícolas, os agricultores e extrativistas familiares, os povos e comunidades tradicionais, suas famílias, as mulheres, os jovens rurais, os analfabetos, os oprimidos, que para gozar de vida digna e de felicidade, o acesso usufruto dos bens primários são vitais [e segundo Rawls (2002) são eles: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos]. E continua Rawls, “os bens primários são presentemente definidos pela necessidade das pessoas em razão de sua condição de cidadãos livres e iguais e de membros normais e plenos da sociedade durante toda a vida”.

Todavia, esses bens primários são usurpados pelos 'donos do poder', pelos que dão conselhos, pelos que dão ordens, e por alguns citadinos; então, a diferença básica e vital entre rurícolas e esses poderosos é a usurpação pela ausência das liberdades fundamentais e da cidadania igual dos oprimidos.

Aliás, para usufruir desses bens, é necessário muita 'graça', muito exercício de liberdade individual e de cidadania igual e menos penitência; pois, tampouco a Bíblia tem o trabalho em autoestima [o senhor castigou Adão expulsando-o da vida mansa do Éden; e a queda da humanidade foi em direção do suor do mundo do trabalho” (GROSSO,1999)]. Está posto outro trade-off: vida mansa do Éden e suor do mundo do trabalho sob a ótica da divisão social e internacional do trabalho e suas diversas categorias e níveis.

Thomas Jefferson em 04 de julho de 1776 afirma que – “[...] que todos os homens são criados iguais, que foram dotados por seu Criador de direitos inalienáveis, e que entre eles estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade” (GROSSO, 1999).

Em outra definição se diz que “... o conceito felicidade é tão vago que, embora todo homem queira alcançá-la, ele jamais pode dizer definitivamente e em uníssono consigo mesmo o que realmente ele precisa e quer”, anuncia Michael Grosso em o Mito do Milênio (1999).

Como gozar a felicidade?

Publicado 
pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, 2012


[1]  Pesquisa trimestral Termômetros da Sociedade Brasileira noticiada pela Confederação Nacional da Indústria / CNI (uol.com.br, 28/mar/2012).
[2] IBGE/Sinopse Censo Demográfico/2010 – rendimento mensal domiciliar per capita em salário mínimo
[3]   Revista Exame, negócios - agricultura, 13/jun/2012
[4] E entre tantos recursos naturais: as terras-raras, o nióbio, o petróleo pela expressão econômica, por exemplo.
[5] É o processo de criar algo diferente e com valor, dedicando tempo e o esforço necessário, assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfação econômica e pessoal”, segundo Robert Hirsch.
[6] É um instrumento de gestão e de informação que visa reportar, da forma mais transparente possível, vale dizer, com evidenciação plena [full disclosure] informações econômicas, financeiras e sociais do desempenho das entidades, aos mais diferenciados usuários da informação, dentre estes usuários os trabalhadores (www.ecodedate.com.br/2012/10/04/a-contabilidade-ambiental-no-brasil-e-no-mundo-artigo-de-roberto-naime/).
[7] É o conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou controlada [http://pt.wikipedia.org/wiki/Governan%C3%A7a_corporativa].
[8] É um processo dialético, de desinteresse mútuo, de cidadania igual e de liberdades reais, que compartilhado pelas diversas categorias [conflito] ao utilizarem, conservarem e preservarem os recursos naturais, transforma-os em bens e serviços: do autoconsumo ao mercado, do PIB às rendas [gestão] destinados ao bem-estar social e ecológico de todos no presente e no futuro [justiça social].








domingo, 14 de outubro de 2012

Uma SOCIEDADE apática

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

"Ninguém deve ser reduzido a seu nascimento" [Eleni Varikas em Democracia: Um combate da sociedade consigo mesma, 2001]. Essa é uma das promessas menos cumpridas de um regime democrático.

Crianças retirantes do campo, agora trabalhadoras no lixão de Arapiraca, como tantas outras de sua idade em qualquer lugar de Alagoas e do Brasil. Aliás, crianças e adolescentes pobres de 5, 9, 13, 17 anos enfrentam o batente do trabalho nos cortes da cana-de-açúcar, nas lavouras de fumo, nas olarias, nos lixões – “R.S, de 11 anos, ajuda na renda familiar com o que recolhe do lixo" [1]; e no desempenho de tarefas como cuidar de pequenos animais, hortas e dos irmãos mais novos.

Outros deixam de ir à escola para se prostituírem em troco de alguns poucos reais. Ah, lembrados pela presença angelical nos prostíbulos -”Trabalho infantil é um passo à prostituição” [2]; ou de alguns mais reais para traficar drogas - "Meninos de 12 anos são cada vez mais usados por traficantes" [3].

E tem mais: "Juízes e promotores de Justiça de todo país concederam, entre 2005 e 2010, 33.173 mil autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, o número equivale a mais de 15 autorizações judiciárias diárias, nos 26 estados e no Distrito Federal", segundo Ministério do Trabalho e Emprego [4]. Uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA, à Constituição Federal. Que despautério!

Para o ECA é criança a pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 28 anos de idade. O ECA [Lei 8.069] é incisivo, para menores de 14 anos, trabalho só como aprendiz [ver art.67].

É através da oferta desse trabalho indesejável que crianças e adolescentes continuam a transferir suas mais-valias para os setores economicamente ricos: financeiro, industrial, comercial, estatal e para a economia subterrânea; e assim, os mantém ora na pobreza, ora na indigência. É assim que 35,9% dos nordestinos entre 05 a 17 anos continuam em extrema pobreza, segundo o IBGE (2010). E uns poucos têm escola e mesada garantida de até R$ 700 [5].

Estudo feito pela USP com base no Pnad de 1995 revela: "As perdas acumuladas por pessoas que ficaram economicamente ativas dos sete aos 14 anos, e cuja idade em setembro de 1995 variava entre 21 e os 55 anos, representavam perto de 30% do PIB. Para termos ideia, ainda segundo o estudo, com R$ 11,3 bilhões [1,7% do PIB] seria possível estender à totalidade das crianças trabalhadoras o programa de Bolsa Escola [Peti], o que tiraria da ignorância milhares de trabalhadores-mirins de sete a 14 anos e elevaria seus ganhos salariais e, consequentemente, o PIB" [Cipola, O trabalho infantil, Publifolha, 2001].

É o setor agrícola quem mais usa essa mão de obra, e na agricultura familiar é mais intensa. Primeiro pelo hábito secular dos agricultores de que o trabalho das crianças e dos adolescentes reforça o orçamento familiar, o que parece ser uma verdade, é perversa e à margem do ECA.

Pelo primitivismo das sociedades ricas, dos ‘donos do poder’ em manter a má distribuição de renda; o trabalho infantojuvenil é a forma mais perversa para preservar pais e filhos sem opções de escolhas múltiplas: da oferta do serviço à remuneração decente; da desobediência e ou ausência de marco legal às relações sociais, econômicas e ecológicas; do não acesso à educação, saúde, moradia ao lazer; e ainda agrava a situação de suas crianças impossibilitadas de terem uma alimentação diária com caloria suficiente para seu desenvolvimento muscular e intelectual, e de frequentarem à escola. Pais e filhos estão sob o jugo das relações capitalistas de produção, da divisão social e internacional do trabalho.

Pela falta sintonia e eficácia entre os eventos e estratégias que tratam da abusiva ilegalidade do uso da mão de obra infantojuvenil; e pela ausência de práticas dialéticas que assegurem aos pais e filhos assento no debate sobre o controle dos recursos naturais [renováveis e não renováveis] e dos tributos, e na formulação, implementação e correção de políticas públicas que ora atendem ao clientelismo dos gestores públicos, sempre sob o viés hierárquico: sabe com quem está falando. 

Além disso, a penúria das crianças literalmente abandonadas pela sociedade e pelo Estado expõe nossa consciência social – “Cerca de 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no Brasil antes dos 5 anos de vida, desse percentual, estima-se que quase a metade das mortes está relacionada a miséria na qual vivem” [6]

No Programa de Aquisição de Alimentos/PAA leite, a nutriz [com criança de 0 a 06 meses] recebe um litro de leite/dia; a criança pode voltar a este programa com idade entre 02 a 07 anos. E no vazio, de 06 meses a 02 anos, ela passa a frequentar o cemitério pela morte anunciada?

E em 03 de outubro, a presidente Dilma Rousseff sancionou lei que trata do programa Brasil carinhoso - uma estratégia que garantirá R$ 70,00/mês a crianças de até 06 anos, em pobreza extrema. Agora ela tem dinheiro para garantir sua alimentação, seu leite

Aliás, renda abaixo de R$ 2.590,00 para uma família de 04 pessoas, agora em agosto, segundo o DIEESE, não atende as necessidades de moradia, alimentação, vestuário, educação, saúde, transporte, previdência, lazer asseguradas no artigo 7º da Constituição Federal. Portanto, há mais brasileiros e brasileirinhos em situação de pobreza.

Outro infortúnio infantil: Escola de Monteirópolis, Alagoas, tem a pior nota do IDEB no país [1,8 para as séries: da 1ª a 5ª, e nota 1,6 da 6ª a 9ª]” [7].

O Brasil descumpre literalmente os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, principalmente aqueles ligados às crianças rurícolas: Erradicar a extrema pobreza e a fome; Atingir o ensino básico universal; Reduzir a mortalidade na infância; Combater o HIV, a malária e outras doenças.

E o Conselho Nacional de Justiça / CNJ assina termo de cooperação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância / UNICEF para proteger direitos da criança [8]

Faz sentido, jovens com idade para o trabalho e pais apropriarem-se do artigo 186 da Constituição Federal que trata da função social da propriedade; da Lei da Agricultura Familiar e do Empreendimento Familiar Rural [como opção de fixação da família no campo, pelo acesso e incremento de rendas líquidas produtivas e/ou rendas não produtivas, e para assegurar a sucessão familiar]; da Lei Geral de ATER [ferramenta poderosa para alavancar os serviços de ATER]; do Território da Cidadania [em 2008, as ações socioeducativas no valor de 1.879.680 reais, pouco para atender 7.832 crianças e jovens em situação de trabalho]; do artigo 07 da Carta Magna [que trata da decência das condições de vida] e do ECA, como cumpri-lo se por exemplo, “apenas 30% dos Conselhos têm telefone” [9]; enquanto isso, “por mês, cada deputado recebe R$ 39 mil para custeio de gabinete” [10].

“Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz pelas suas crianças e seus adolescentes. Não é o Produto Interno Bruto, é a capacidade de o país, do estado e da sociedade, de proteger o que é o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e adolescentes, afirmou a presidente Dilma Rousseff, na 9ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente [11].

E o consentimento tácito do Estado [Legislativo, Executivo e Judiciário], da Sociedade, e da Família solapa os objetivos do ECA – “A taxa de pobreza entre as crianças até 4 anos é hoje de 28,3%, já incluído a Bolsa Família da mãe, o salário do pai, a aposentadoria dos avós” [12]. Por esse despautério, Estatuto das Crianças e dos Adolescentes neles!

Está satisfeito com essas políticas públicas? É seu dever avaliá-las. Urge para o Desenvolvimento Sustentável [13] uma concertação de ações de cidadania igual, de liberdades reais e de políticas públicas às crianças e adolescentes rurícolas, que empoderadas pelo tirocínio escolar, inclusive ao cursar uma faculdade, poderão fazer melhores escolhas e assegurar os vitais bens primários [e segundo Rawls (2002) são eles: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos], da fase infantil à adulta, para sua prosperidade, bem-estar e dignidade intergeracional.

Em tempo: e quem solidamente comemorou o dia da criança, a indústria e o comércio com incremento dos lucros e o Estado com mais tributos. 

Ademais, "noventa e seis por cento das mais de 1.500 crianças ouvidas apontaram o dia do aniversário como um dos dias mais felizes'. "Segundo os pais, essa alegria não se deve aos presentes, mas às atenções que a criança tem de toda família", anuncia a Sociedade Brasileira de Pediatria em pesquisa encomendada ao Datafolha [14]. E parabéns aos pais e mães do movimento: Infância Livre de Consumismo.

Como gozar a felicidade?

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012



[1]  O Jornal, 24/fev/2008
[2]  Tribuna Independente, 30/jan/2012
[3]  Tribuna Independente, 16/out/2011
[4]  www.ecodebate.com.br, atividades pela justiça, 20/out/2011
[5]  Revista Veja, 18/fev/2009
[6]  Tribuna do Sertão, 08/out/2012. 
[7]  Gazeta de Alagoas, 19/ago/2012
[8]  Tribuna Independente, 10/out/2012
[9]  Tribuna Independente, 13/jul/2010
[10]  Tribuna Independente, 28/mar/2010
[11]  g1.globo.com, 12/jul/2012
[12]  Gazeta de Alagoas, 22/jul/2010
[13] Desenvolvimento Sustentável é um processo dialético, de desinteresse mútuo, de cidadania igual e de liberdades reais, que compartilhado pelas diversas categorias [conflito] ao utilizarem, conservarem e preservarem os recursos naturais, transforma-os em bens e serviços: do autoconsumo ao mercado, do PIB às rendas [gestão] destinados ao bem-estar social e ecológico de todos no presente e no futuro [justiça social].
[14]  www.ecodebate, 10/out/2012