domingo, 16 de setembro de 2012

És MÃE gentil


Marcos Antonio Dantas de Oliveira

A agricultura familiar produz 70% dos alimentos consumidos pela sociedade brasileira. Aliás, os agricultores familiares [e os povos e comunidades tradicionais] têm expandido o excedente agrícola para assegurar o bem-estar das pessoas, das cidades, os interesses da sociedade. És mãe gentil para consumidores, principalmente os citadinos.

Por outro, és madrasta àqueles que produzem essa mesa farta, os agricultores familiares, a grande maioria têm renda familiar por domicílio de até dois salários mínimos.

E enfatiza Machado et al. (2008), “grande parte da insegurança alimentar provém da inviabilização da agricultura familiar [SOARES, 2001]. A histórica falta de apoio a esse setor vem redundando na expulsão do agricultor familiar do campo, [..] engrossando a fileira de desempregados e miseráveis com acesso restrito a alimentos".  E  para mitigar essa expulsão crescente, usar a ciência, a tecnologia e a inovação tão pouco empregadas até a porteira, é imprescindível para empreender. E políticas públicas que estimulem a oferta e a demanda interna e exportações, e incrementem na lógica familiar o emprego [inclusive o pluriativo] e a renda [se for o caso, produtiva e não produtiva] dessas categorias.

Nesse sentido, continua diminuindo o consumo básico de bens e serviços em sua mesa, em sua moradia, principalmente, para os 3.318.077 agricultores familiares minifundiários com área média de 14ha [INCRA,  2010]; e de maioria analfabeta [e de analfabetos ecológicos, segundo Capra, 2002] têm dificuldade para preservar os recursos naturais, a paisagem e o conhecimento sobre espécies locais, inclusive a erosão genética também tem inviabilizado a agricultura familiar; outros agravantes: as exigências de mercado, inclusive pela opção de cultivar comercial, e a baixa capacidade para gerir os ativos e passivos da unidade produtiva e da paisagem.

E pela renda escassa [e descapitalizados] já não conseguem manter a coesão do tecido social e cultural, assim, as mulheres, os jovens rurais e as crianças são os mais afetados em sua dignidade. Estão sem perspectivas de usufruto dos bens primários [liberdade individual, cidadania igual, alimentação, renda, emprego, riqueza pública, felicidade...].

Ademais, a agricultura familiar continua como atividade geradora de divisas e provedora do abastecimento a baixo custo [promotora da segurança  alimentar e nutricional da sociedade e famílias rurais]; ofertante de mão de obra [de emprego e renda] e matéria-prima para os setores secundário e terciário; fornecedora de mercado para a indústria de insumos, máquinas em geral; e financia o desenvolvimento de outros setores com a continuada  e brutal transferência de suas rendas, ainda que, operando em insegurança jurídica: Incra e associações quilombolas tentam buscar solução para resolver impasse em processo de titulação (Gazeta de Alagoas, 19/abr./2012).

E o governo federal coloca a disposição dos agricultores e extrativistas familiares [dos povos e comunidades tradicionais], o Plano Safra 2012/2013: Crédito PRONAF, 18 bilhões de reais; 1,1 bilhão de reais para o PNAE e 1,2 bilhão para o PAA; para o Garantia Safra, 412 milhões e para o PGPAF, 90 milhões, por exemplo. Esses  valores monetários só entusiasma o governo. E quem desconhece a sociologia da agricultura familiar [suas formas, padrões e relações].

Numa conta rápida vai perceber que essa dinheirama não atende nem um terço dos 4,3 milhões de agricultores familiares [beneficiários da Lei 11.326]. E ao serviço de ATER e ATES, só 542 milhões de reais [para estados e distrito federal, para o serviço estatal e não estatal]. Portanto, vamos continuar com um serviço, ora  ineficiente, ora eficiente, contudo, ineficaz para assegurar a sustentabilidade a longo prazo da lógica da agricultura familiar [terra, água, trabalho, família, sucessão], o acesso e usufruto dos bens primários; e  atender as múltiplas funções da agricultura [por multifuncionalidade, toma-se como “aquilo que a agricultura faz para a sociedade em termos de bens e serviços tangíveis e intangíveis, além da produção agrícola no sentido estrito” (DUARTE, et.al, 2006)].

Em verdade, estamos em insustentabilidade. Aliás, é urgente uma nova contratualização entre a sociedade, os agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e o poder público acerca do controle dos recursos naturais e dos tributos e suas relações sociais, econômicas, ecológicas sob a guarda da economia ambiental ou da economia ecológica. Uma luz: a Política de Desenvolvimento do Brasil Rural/PDBR (PLS 258/10), já em tramitação no Congresso é relevante para o bem-estar e à soberania dos agricultores e extrativistas familiares, dos povos e comunidades tradicionais [só 15,6% dos brasileiros moram no campo, segundo o IBGE]. O Brasil é cada vez mais urbano.

Ou continuamos na rota da insustentabilidade [e da indignidade]: um homem que nasce num mundo já ocupado, se sua família não possui meios de alimentá-lo ou se a sociedade não tem necessidade de seu trabalho, esse homem, repito, não tem o menor direito de reclamar uma porção qualquer de alimento: está em demasia na terra. No grande banquete da natureza, não há lugar para ele. A natureza lhe ordena que se vá e ela mesma não tardará a colocar essa ordem em execução... (MALTHUS citado por PROUDHON, Tomo I). Executamos essa ordem? Ou contemporizamos nossa consciência social, e abrigamo-o?

Pois, segundo Rawls (2002): cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros.

Chega de anomia. Espera-se de um povo heróico [agricultor familiar, catadora de mangaba, pescador, quebradeira de coco, quilombola, comunidade de fundo de pasto e do faxinal, geraizeiro, indígena... ] o brado retumbante!

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012

12 comentários:

  1. Sempre se superando, muito bom. Oto

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  2. Depois de ler o texto, me interessei pelo livro, A Chico o que é de Chico. Mas o celular não atende. Carlos

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  3. Para uma excelente reflexão. Lúcia

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  4. Costumo ler seus bons artigos. Edson

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  5. MARCOS,
    Os textos que você escreve, podem ser selecionados e publicados em forma de livro, a bem dos extensionistas das ciências agrárias.
    Um abraço,
    Verneck Abrantes-ABER-PB

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  6. Este final foi retumbante. Claúdio

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  7. Boa a observação de Verneck. Marcos

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  8. Continuo divulgando seus artigos. Gabi

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  9. Que reflexão profunda para o bem-estar do agricultor e sua família, principalmente: a frase de Malthus e de Rawls citadas no texto. Maurício

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  10. Gostei do que li a dura vida do agricultor. Toninho

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  11. Ou continuamos em berço esplêndido. Vanessa

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