sábado, 25 de junho de 2011

Os SEM praça

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Na Praça dos Três Poderes em Brasília, 363 diretores, chefes e secretários receberam dos cofres públicos 5,1 bilhões de reais, no ano de 2008, segundo Revista Veja; enquanto, a maioria dos brasileiros e alagoanos, que proporcionalmente são grandes contribuintes, tem renda per capita domiciliar de até ½ salário mínimo; são 44 milhões de brasileiros pobres e 1,7 milhões de alagoanos pobres, em geral, com moradia insalubre, sem água potável, sem saneamento básico, educação precária, ocupações ilegais e rendas indecentes, sem seguridade social, sem cidadania igual – “Otimismo recua entre os mais pobres. O pessimismo em relação ao futuro da economia é fruto da alta de inflação” (Gazeta de Alagoas, 06/mai/2011).

E a maioria desses pobres são agricultores e extrativistas familiares [povos e comunidades tradicionais], outros rurícolas e suas famílias [homens e mulheres, crianças e adolescentes, adultos e idosos] que têm uma vida de trabalho e penitência, para usufruto de uns poucos; e assim, todos, continuam transferindo suas rendas aos setores: industrial, comercial, financeiro e estatal.

Aliás, os alagoanos, os agricultores e extrativistas familiares, ora pela baixa capacidade de acumulação de riqueza e renda - 70% da população economicamente ativa têm renda até um salário mínimo; ora pela baixa capacidade de leitura [para absorver inovações como para exercitar a cidadania igual] - 69% têm de 1 a 7 anos de estudo, 2005 [IBGE/Pnad]; ora por que a maioria das propriedades são minifundiárias [menos de um módulo fiscal] - em Alagoas, 88% dos estabelecimentos têm até 10 hectares; ora por que a política de crédito rural mal subsidia os juros, em geral com teto de financiamento baixo [Pronaf], e por custos de produção aviltados [inclusive pela não remuneração da obra familiar, principalmente das mulheres, e pela ocupação de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos - Alagoas com 11,68%, Rio Grande do Sul com 11,97, Santa Catarina com 13,08% e Tocantins com 15,71%, por exemplos (Gazeta de Alagoas, 17/out/2009)]; ora pelo ineficaz serviço de pesquisa agropecuária e extensão rural: estatal e privado; ora por que os princípios ecológicos: cooperação, interdependência, flexilidade, diversidade, reciclagem etc estão ausentes nos negócios privados e públicos.

Enfim, esses contribuintes, esses sem praça, não exercitam a cidadania igual; a eles, trabalho como dignidade e penosidade como penitência.

De maneira que, os agricultores e os extrativistas familiares e outros rurícolas [avós, pais e filhos] estão em penúria social; ora pela sua apatia e pela apatia do Estado em cumprir suas atribuições constitucionais, ora pela apatia dos citadinos em não entender que suas vidas estão umbilicalmente ligadas a dos rurícolas.

É do lugar rural que em suas mesas se consomem os cereais, carnes, leites e hortícolas; se banham, vestem, calçam com produtos produzidos, coletados e extraídos por esses que fazem a agricultura e o extrativismo, geram riquezas. Interligam-se pela energia e pela água que chegam as suas casas, além de apresentar-lhes toda beleza da fauna e da flora do lugar comum de todos: a bacia hidrográfica, o país, o estado, o município, a zona rural, o povoado, a propriedade.

Entre o citadino e o rurícola, não há oposição, mas sim, incompreensão pelos citadinos [e alguns estudiosos] de que o exercício da liberdade individual e da cidadania igual no lugar rural é precário; assim os agricultores e extrativistas familiares ficam vulneráveis, e não empoderados, são impossibilitados de assegurar a sustentação de suas lógicas familiares: terra e água [cultivo, coleta, extração, patrimônio imaterial e mitos], trabalho [pluriatividade, mais-valia, ocupação e renda] e família [controle dos recursos naturais e dos tributos, coesão familiar e social] e a sucessão familiar. E assim torna insustentável a adequação das necessidades familiares, em sua forma econômica, social, patrimonial, ecológica e cultural.

No presente, a agricultura familiar, mesmo pautada, “na relação ótima de fatores de produção, que consiste na adequação das necessidades familiares à conveniência técnica em um determinado sistema de produção”, como afirma Chayanov [Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas, 1981], não está apta para contribuir com o desenvolvimento sustentável [entendendo-o como um processo dialético, de desinteresse mútuo, de cidadania igual e de liberdades reais, que compartilhado pelas diversas categorias [conflito] ao usarem, conservarem e preservarem os recursos naturais, transforma-os em bens e serviços: do autoconsumo ao mercado, do PIB às rendas [gestão] destinados ao bem-estar social e ecológico de todos no presente e no futuro [justiça social].

Nesse sentido, no presente, acentua-se também pela ausência de bens primários [patrimônio, renda, educação, autorrespeito, inteligência, felicidade...] a vida indigna desses sem praça.

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2011

7 comentários:

  1. O conceito de Desenvolvimento sustentável me abriu novas frente de interpretação. Marcelo

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  2. Muito bom o contraponto: entre os com praça e os sem praça. Aloísio

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  3. Gostei do que li. Lúcia

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  4. Interessante o contraponto entre os com praça e os sem praça.Francisco

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  5. Vamos elevar o agricultor familiar à condição dos com praça. É justo. Humberto

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  6. Muito bom. Quantas indagações? Rubens

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  7. Essa última frase: vida indigna desses sem praça, nos convida ao debate. Mauricio

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