sábado, 8 de janeiro de 2011

Para muitos, muita PENITÊNCIA

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Entre eles, os agricultores e extrativistas familiares e outros rurícolas – “Inflação de 5,9% afeta mais os pobres'. 'O vilão da inflação de 2010 foi a alimentação, em que os mais pobres comprometem a maior parte da sua renda” (Gazeta de Alagoas, 08/jan/2011). Qual é a graça?



Para pouquíssimos, muita graça: “Aumento de salário foi o maior do Brasil [108%] (Tribuna Independente, 08/jan/2011); deputados alagoanos passam a receber R$ 20 mil de salário. E nenhuma penitência.



Por isso, os rurícolas – agricultores, extrativistas familiares – e os movimentos sociais rurais reivindicam: financiamento ao sistema produtivo, de distribuição e de comercialização [culturas e agroindústrias], à moradia e ao patrimônio imaterial [cultivo, beneficiamento, alimentação, manifestações – festas para a colheita, folclore, agradecimentos aos santos...] como também eficácia na distribuição da riqueza privada e pública, do planejamento familiar e da seguridade social; na proteção à natureza; e no serviço de pesquisa agropecuária e extensão rural, ora caro e ineficiente.



E eles fazem exigências em defesa de suas liberdades; e na tomada de decisões.



Por outro lado, o estado, ora representados por governos autoritários desconsideram o direito de escolha individual do rurícola a uma vida sustentável – compreende todo o conjunto: das relações materiais; das relações ideológico-culturais; da vida comercial e industrial como da vida espiritual e intelectual –, à vida digna em seus lugares de origem.



Esses governos enfatizam em seus discursos midiáticos, responsabilidades: sociais [mas, “com 53 unidades públicas, entre municipais, estaduais e federal, Alagoas é o retrato do descaso na saúde” (Gazeta de Alagoas, 05/abr/2009)] e ambientais [“Cidades estão ameaçadas pelos lixões: no Sertão, regiões Norte e Sul, zona da Mata, em Arapiraca e Maceió, a sujeira se impõe na paisagem” (Gazeta de Alagoas, 19/abr/2009)].



Assim, no dia a dia, negação à vida digna. E ainda facilitam a exploração dos recursos naturais, ora para o uso pelo setor extrativista, pelo setor agropecuário, pelo setor industrial, pelo setor de serviço, ora pelos assentamentos humanos, por empresas e indivíduos, com avaliações e fiscalizações frouxas e até lenientes pelos órgãos competentes [Ibama, Ima...], uma afronta aos Planos Diretores [e aos orçamentos].



No lugar rural a função produtivista/capitalista dos recursos da natureza e a questionável competência técnica do homem – ora do rurícola, ora do agricultor, ora do extrativista, ora do técnico e ora desse conjunto – para lidar com recursos escassos e insubstituíveis, solapa a história e identidade cultural desses rurícolas [especialmente dos quilombolas, caboclos e indígenas].



Porém, no lugar rural: a racionalidade econômica não é onipresente, porque esse ambiente social permite que outros critérios de relações sejam organizadores da vida.


Aliás, o estado da vida está afastado do equilíbrio, nesse sentido, a liberdade individual [a cidadania igual], o desinteresse mútuo e a dialética são indispensáveis ao desenvolvimento sustentável [ética, recursos naturais, demografia, PIB, conflito, gestão e justiça social], por organizar a vida.



Assim, é possível a concertação entre a racionalidade consumista e a irracionalidade subjetiva das atitudes e ações do homem e da mulher para romper o isolamento personificado daqueles que expropriam, que apropriam e que acumulam riquezas, privadas e públicas, e outras prerrogativas; que consumem crescentemente bens naturais e produzidos [inclusive de maneira supérflua]; que usufrem dos serviços essenciais [principalmente da saúde e da educação]; que privatizam o Estado, e assim encolhem o mundo comum [locus da política].



Convém frisar que, o rurícola, o agricultor e o extrativista familiares vivem uma trama de relações multidimensionais de alta complexidade; e a pouca escolaridade e o alto grau de informalidade de suas atividades [ocupações, rendas e mercados], por exemplos, e a apatia política torna-os vulneráveis ao processo de unificação, homogeneização e repetição típica de uma sociedade de massa [sociedade da indiferença] que nega novos comportamentos, ações e a essência da política, a liberdade individual; pois é o cidadão livre que legitima no mundo comum: soluções, alianças e compromissos para iniciar algo novo.



Nesse sentido, os moradores do lugar rural realizam seu labor e suas manifestações culturais, dia a dia, em conformidade com a harmonia aparente dos fluxos cíclicos naturais como de suas relações familiares e compadrios; mas não o suficiente para garantir-lhe suas escolhas individuais e coletivas, para nele construir e aprender a viver livre e feliz. E avigora que a sustentabilidade dos recursos naturais e dos tributos quando usados para produzir energia, alimento, vestuário exige responsabilidade social e ecológica dos agentes sociais e econômicos.



E pela cidadania igual, o citadino e o rurícola – agricultor, pescador e extrativista familiar de ‘vidas secas’ – devem estar abertos à promoção do desenvolver, do sustentar e do valorizar: o pensar, o conhecer e ao fazer uso dos recursos naturais e dos tributos; protegê-los no presente, e garantí-los às gerações futuras.



Então, os processos sociais devem ser contínuos, permanentes, interagíveis e sustentáveis, e assim deixa claro para o citadino, o rurícola, o agricultor e o extrativista familiares que para gozar de vida digna é preciso muita graça [muita liberdade individual] e menos penitência [para aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos e aprender a ser].


Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2011.

15 comentários:

  1. Um texto duro, contudo objetivo. Antônio

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  2. Este é o meu primeiro acesso. Estou satisfeito com o que li. Germano

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  3. A frase: aprendendo a conhecer, a fazer, a viver juntos e aprendendo a ser, é a essência do deabate sobre melhoria da qualidade de vida. Ernesto.

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  4. Marcos, aprecio muito seus textos. Lúcia

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  5. Eu também estou de penitência. Sílvia

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  6. Uma beleza de texto. Maria

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  7. Um artigo para ser lido muitas vezes. Tião

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  8. Bem colocado a importância dos quatro pilares da educação para o processo de melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares. Oto

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  9. Uma das razões para tanta pobreza e indigência em Alagoas é a apropriação dos recursos e bens do Estado pelos poucos que fazem a elite, detentora de poder outras prerrogativas. João

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  10. Um texto para reflexões sobre as condições de vida do rurícola. Anita

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  11. Recebi de um amigo recomendações sobre este blog. Abri hoje, gostei do que li. Erivaldo

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  12. Os títulos dos textos me convida à leitura, e ficou satisfeito com o que leio. Carla

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  13. Eu sou um desses penitentes. Sebastião

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  14. Um texto reflexivo, comentários lúcidos. Jason

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  15. Consistente e oportuno. Adélia

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