domingo, 3 de julho de 2016

NUS e DESACOMODADOS: quem somos?

 Marcos Antonio Dantas de Oliveira[1]
                                                                      
      
             Em meados do século XVIII, o processo de industrialização dava seus passos iniciais e, com ele, a sistematização de trabalho. Nesse sentido, a fábrica, esse elemento novo, provocou deslumbramento na sociedade e as mulheres agora podiam empregar-se, como também as crianças atendiam a esse chamamento, um gesto que modificou a relação entre mulher e homem. O tempo mostrou que essa invenção, a fábrica, foi percebida pelas famílias como um estorvo, pois, com aquele horário, dezesseis horas, não sobravam mais tempo para as conversas sobre o cotidiano, as brincadeiras lúdicas e as crianças ressentiam essa falta. O nascente capitalismo tomou para si as rédeas desse processo sempre em franca e crescente prosperidade da indústria da flanela de Rochdale, da Inglaterra de 1843, os tecelões – adultos e crianças, homens e mulheres –, continuavam a trabalhar com horário extenuante e mal remunerado, tornou-se o senhor das vidas dos operários e de suas famílias. A situação precária sócio-econômica em que viviam os tecelões fez com que estes reagissem.  A ocasião era oportuna para solicitar aumento em seus salários; “hão de ver quem somos nós!” (HOLYOAKE). E, em comissão, lá foram eles, ao encontro dos industriais. Não! Foi a resposta que obtiveram, e alguns deles preferiram fechar as portas de suas fábricas.

 Frustrado o intento. Em um desses dias sombrios de novembro de 1843, os operários resolveram discutir quais soluções seriam possíveis, para o enfrentamento dessa situação de penúria em que se encontravam, e elencaram várias possibilidades: pedir proteção da lei dos indigentes? Deviam migrar? No entanto foram os ideais dos socialistas utópicos, Robert Owen e Doutor Willam king, que nortearam a decisão de criarem um armazém cooperativo de consumo.  E, na noite de 24 de outubro de 1844, a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, localizada na Travessa do Sapo, abre suas portas para atendimento aos operários e suas famílias, baseada em princípios [regras] bem estabelecidos: “1 - Governo democrático da sociedade, cada sócio tendo direito a um só voto, independentemente do capital que tivesse investido; 2 - A sociedade estava aberta a qualquer pessoa que quisesse se associar, desde que integrasse uma cota do capital; [...] ; 7- Desenvolvimento da educação cooperativa dos sócios – uma das herança de Owen; 8 - A sociedade seria neutra, política e religiosamente (PINHO). Esses princípios balizam até hoje qualquer estatuto de uma cooperativa onde quer que ela se localize, no hemisfério norte ou sul, nas sociedades ricas ou pobres, em países credores ou devedores.
                                                                                                                   
 E Mladenatz (2003) resume bem a importância dessa organização, afirmando que “a generalização dessas associações permite realizar uma ordem econômica e social capaz de fundar-se não sobre a luta, mas sobre o entendimento, não sobre o espírito da competição, mas sobre a solidariedade, não sobre a dominação da empresa lucrativa, mas sobre a colaboração com o trabalhador”. A idéia de auto-ajuda contida na proposta cooperativista está em constante movimento e, por isso, realiza-se nas mais diversas e numerosas categorias: sociedades, sofrimentos, soluções e desejos. Desde então, tanto outros sonhadores-precursores-estudiosos – Owen, King, Bellers, Fourier, Blanc, Gide, padre Arizmendiarrieta, Boettcher, Benecke, Filene, Pinho, Singer, Mladenatz e outros que continuam a iluminar o mundo com seus ideais e realizações, para transformar o ambiente social. Essa idéia tem ressonância na região fumageira de Arapiraca, Alagoas, Brasil e começa com o entusiasmo de Lourenço de Almeida. Em 1963, funda-se a primeira cooperativa agrícola na região, conhecida por CAPIAL/Cooperativa Agro-pecuária e Industrial de Arapiraca Limitada. Obteve sucesso entre os anos de 1978-1983, hoje vive sua fase de estagnação, mas continua a ser uma referência sobre a execução ou não do seu estatuto social.

Assim sendo, é importante compreender o mundo em que vivemos e também como nos posicionamos no mundo. Dentro dessa ótica, indaga-se: como o associativista pensa e age nas sociedades e nos agrupamentos humanos os mais diversos possíveis para atingir posições confortáveis, garantidoras de relevância social, redistribuição econômica e prudência ecológica em um mundo tão hierarquizado e autoritário? Muitos estudiosos, entre eles Ignacy Sachs e Fritjof Capra, comentam sobre um sistema de produção e consumo respeitador do meio ambiente, onde a sustentabilidade definida como eficácia econômica, social e ambiental atenda às necessidades e desejos da geração atual e das gerações futuras.
                                               
          Esse sistema atende pelo nome de desenvolvimento  sustentável, que é um processo dialético, de desinteresse mútuo, de cidadania igual e de liberdades reais, que compartilhado pelas diversas categorias [conflito] ao preservarem, conservarem e utilizarem os recursos naturais e os tributos, transforma-os em bens e serviços: do autoconsumo ao mercado, do PIB às rendas [gestão] destinados ao bem-estar social e ecológico de todos no presente e no futuro [justiça social] (OLIVEIRA, 2010); elegendo critérios que possam mitigar os danos ambientais, ei-los: social, cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico, política nacional e política internacional (SACHS, 2000), sobretudo baseado na alfabetização ecológica e seus princípios: interdependência, reciclagem, parceria, cooperação, fluxo cíclico dos processos naturais, flexibilidade, diversidade (CAPRA, 2002), promovam o bem-estar com todos pelo acesso e pelo usufruto dos bens primários propostos por Rawls (2002) e van Parijs (1997): autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, direitos, liberdades e oportunidades, renda, riqueza.

          De modo que, não há nenhuma razoabilidade no excesso de bens de uns poucos e na carência de bens de muitos, já observava o filósofo Aristóteles (384 - 322 a.C) –  leia mais sobre essa desigualdade crescente: na Carta  Encíclica Papal: RERUM NOVARUM -http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html no http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/71-mil-brasileiros-concentram-22-de-toda-riqueza-veja-dados-da-receita.html
                                                          
           Destarte, o ativismo e a prática cooperativista são algumas das ferramentas capazes de fazer o enfrentamento e tirar proveito dessa onda globalizante, que tem sido perversa o suficiente, para aniquilar desde os estilos de vida mais prosaicos dos povos autóctones e tradicionais, como também daqueles que sobrevivem das migalhas do processos científico-tecnológico tanto pela tirania do capital e do mercado; pela apatia da maioria dos “donos-cooperados” e da sociedade em cumprir suas normas, pela ineficiência do Estado em assegurá-lo como uma associação de iguais como pela crise de percepção a tudo que nos rodeia e nos amedronta tem inviabilizado nosso bem-estar pelo usufruto dos bens primários: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, direitos, liberdades e oportunidades, renda, da riqueza.
 .
                  





[1] Mestre em Desenvolvimento Sustentável, membro da Academia Brasileira de Extensão Rural/ABER, professor da UNEAL, extensionista da EMATER-AL/Carhp, diretor do SINDAGRO, articulista da Tribuna Independente, Maceío/AL.                                                                   Blog:   sabecomquemestafalando.blogspot.com


11 comentários:

  1. Um artigo oportuno para avaliar a cooperativa e suas práticas. Toninho

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  2. No mês de celebração do cooperativismo, nada mais sensato do que ler esse artigo.

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  3. A Encíclica Papal revela a preocupação da Igreja com os trabalhadores. Não conhecia. Ricardo

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  4. Precisamos estudar mais para entender as crises, principalmente a de percepção. Stella

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  5. Parabéns pelo excelente artigo sobre o Cooperativismo. Continue nesta trilha, em prol e em defesa do trabalho e do trabalhador. Adauto.

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  6. Gostei, achei muito importante.abc Luiz

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  7. Li a Encíclica Papal. Ela continua atual. Claúdia

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  8. Como continua em dia o entendimento de Aristóteles sobre carências e excessos, inclusive para a prática cooperativista. Manoel

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  9. Sempre nos oferecendo uma oportunidade para abrir nossos horizontes. Chico

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  10. A prática maquiavélica nessas organizações é um dos motivos do seu insucesso na vida do cooperado. Ailton

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  11. Repito a colocação do Ailton. Jason

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