Marcos Antonio Dantas de Oliveira
"Ninguém deve ser reduzido a
seu nascimento" [Eleni Varikas em Democracia: Um combate da sociedade
consigo mesma, 2001]. Essa é uma das promessas menos cumpridas de um regime
democrático.
Crianças retirantes do campo,
agora trabalhadoras no lixão de Arapiraca, como tantas outras de sua idade em
qualquer lugar de Alagoas e do Brasil. Aliás, crianças e adolescentes pobres de
5, 9, 13, 17 anos enfrentam o batente do trabalho nos cortes da cana-de-açúcar,
nas lavouras de fumo, nas olarias, nos lixões – “R.S, de 11 anos, ajuda na
renda familiar com o que recolhe do lixo" [1];
e no desempenho de tarefas como cuidar de pequenos animais, hortas e dos irmãos
mais novos.
Outros deixam de ir à escola para
se prostituírem em troco de alguns poucos reais. Ah, lembrados pela presença
angelical nos prostíbulos -”Trabalho infantil é um passo à prostituição” [2];
ou de alguns mais reais para traficar drogas - "Meninos de 12 anos são
cada vez mais usados por traficantes" [3].
E tem mais: "Juízes e
promotores de Justiça de todo país concederam, entre 2005 e 2010, 33.173 mil
autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, o
número equivale a mais de 15 autorizações judiciárias diárias, nos 26 estados e
no Distrito Federal", segundo Ministério do Trabalho e Emprego [4].
Uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA, à Constituição
Federal. Que despautério!
Para o ECA é criança a pessoa até
12 anos incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 28 anos de idade. O ECA
[Lei 8.069] é incisivo, para menores de 14 anos, trabalho só como aprendiz [ver
art.67].
É através da oferta desse
trabalho indesejável que crianças e adolescentes continuam a transferir suas
mais-valias para os setores economicamente ricos: financeiro, industrial,
comercial, estatal e para a economia subterrânea; e assim, os mantém ora na
pobreza, ora na indigência. É assim que 35,9% dos nordestinos entre 05 a
17 anos continuam em extrema pobreza, segundo o IBGE (2010). E uns poucos têm
escola e mesada garantida de até R$ 700 [5].
Estudo feito pela USP com base no
Pnad de 1995 revela: "As perdas acumuladas por pessoas que ficaram
economicamente ativas dos sete aos 14 anos, e cuja idade em setembro de 1995
variava entre 21 e os 55 anos, representavam perto de 30% do PIB. Para termos
ideia, ainda segundo o estudo, com R$ 11,3 bilhões [1,7% do PIB] seria possível
estender à totalidade das crianças trabalhadoras o programa de Bolsa Escola
[Peti], o que tiraria da ignorância milhares de trabalhadores-mirins de sete a
14 anos e elevaria seus ganhos salariais e, consequentemente, o PIB"
[Cipola, O trabalho infantil, Publifolha, 2001].
É o setor agrícola quem mais usa
essa mão de obra, e na agricultura familiar é mais intensa. Primeiro pelo
hábito secular dos agricultores de que o trabalho das crianças e dos
adolescentes reforça o orçamento familiar, o que parece ser uma verdade, é
perversa e à margem do ECA.
Pelo primitivismo das sociedades
ricas, dos ‘donos do poder’ em manter a má distribuição de renda; o trabalho
infantojuvenil é a forma mais perversa para preservar pais e filhos sem opções
de escolhas múltiplas: da oferta do serviço à remuneração decente; da
desobediência e ou ausência de marco legal às relações sociais, econômicas e
ecológicas; do não acesso à educação, saúde, moradia ao lazer; e ainda agrava a
situação de suas crianças impossibilitadas de terem uma alimentação diária com
caloria suficiente para seu desenvolvimento muscular e intelectual, e de
frequentarem à escola. Pais e filhos estão sob o jugo das relações capitalistas
de produção, da divisão social e internacional do trabalho.
Pela falta sintonia e eficácia
entre os eventos e estratégias que tratam da abusiva ilegalidade do uso da mão
de obra infantojuvenil; e pela ausência de práticas dialéticas que assegurem
aos pais e filhos assento no debate sobre o controle dos recursos naturais
[renováveis e não renováveis] e dos tributos, e na formulação, implementação e
correção de políticas públicas que ora atendem ao clientelismo dos gestores
públicos, sempre sob o viés hierárquico: sabe com quem está falando.
Além disso, a penúria das
crianças literalmente abandonadas pela sociedade e pelo Estado expõe nossa
consciência social – “Cerca de 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no
Brasil antes dos 5 anos de vida, desse percentual, estima-se que quase a metade
das mortes está relacionada a miséria na qual vivem” [6].
No Programa de Aquisição de Alimentos/PAA leite, a nutriz [com criança de 0 a 06 meses] recebe um litro de leite/dia; a criança pode voltar a este programa com idade entre 02 a 07 anos. E no vazio, de 06 meses a 02 anos, ela passa a frequentar o cemitério pela morte anunciada?
E em 03 de outubro, a presidente
Dilma Rousseff sancionou lei que trata do programa Brasil carinhoso - uma
estratégia que garantirá R$ 70,00/mês a crianças de até 06 anos, em pobreza
extrema. Agora ela tem dinheiro para garantir sua alimentação, seu leite
Aliás, renda abaixo de R$
2.590,00 para uma família de 04 pessoas, agora em agosto, segundo o DIEESE,
não atende as necessidades de moradia, alimentação, vestuário, educação,
saúde, transporte, previdência, lazer asseguradas no artigo 7º da Constituição
Federal. Portanto, há mais brasileiros e brasileirinhos em situação de pobreza.
Outro infortúnio infantil: Escola
de Monteirópolis, Alagoas, tem a pior nota do IDEB no país [1,8 para as séries:
da 1ª a 5ª, e nota 1,6 da 6ª a 9ª]” [7].
O Brasil descumpre literalmente
os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, principalmente aqueles ligados às
crianças rurícolas: Erradicar a extrema pobreza e a fome; Atingir o ensino
básico universal; Reduzir a mortalidade na infância; Combater o HIV, a malária
e outras doenças.
E o Conselho Nacional de Justiça /
CNJ assina termo de cooperação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância / UNICEF
para proteger direitos da criança [8].
Faz sentido, jovens com idade
para o trabalho e pais apropriarem-se do artigo 186 da Constituição Federal que
trata da função social da propriedade; da Lei da Agricultura Familiar e do
Empreendimento Familiar Rural [como opção de fixação da família no campo, pelo
acesso e incremento de rendas líquidas produtivas e/ou rendas não produtivas, e
para assegurar a sucessão familiar]; da Lei Geral de ATER [ferramenta poderosa
para alavancar os serviços de ATER]; do Território da Cidadania [em 2008, as
ações socioeducativas no valor de 1.879.680 reais, pouco para atender 7.832
crianças e jovens em situação de trabalho]; do artigo 07 da Carta Magna [que
trata da decência das condições de vida] e do ECA, como cumpri-lo se por
exemplo, “apenas 30% dos Conselhos têm telefone” [9];
enquanto isso, “por mês, cada deputado recebe R$ 39 mil para custeio de
gabinete” [10].
“Uma grande nação deve ser medida
por aquilo que faz pelas suas crianças e seus adolescentes. Não é o Produto
Interno Bruto, é a capacidade de o país, do estado e da sociedade, de proteger
o que é o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e adolescentes,
afirmou a presidente Dilma Rousseff, na 9ª Conferência Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente [11].
E o consentimento tácito do
Estado [Legislativo, Executivo e Judiciário], da Sociedade, e da Família solapa
os objetivos do ECA – “A taxa de pobreza entre as crianças até 4 anos é hoje de
28,3%, já incluído a Bolsa Família da mãe, o salário do pai, a aposentadoria
dos avós” [12].
Por esse despautério, Estatuto das Crianças e dos Adolescentes neles!
Está satisfeito com essas
políticas públicas? É seu dever avaliá-las. Urge para o Desenvolvimento
Sustentável [13] uma
concertação de ações de cidadania igual, de liberdades reais e de políticas
públicas às crianças e adolescentes rurícolas, que empoderadas pelo tirocínio
escolar, inclusive ao cursar uma faculdade, poderão fazer melhores escolhas e
assegurar os vitais bens primários [e segundo Rawls (2002) são eles: autoestima, inteligência, imaginação,
saúde e vigor, oportunidades,
renda, riqueza, liberdades, direitos], da fase infantil à adulta,
para sua prosperidade, bem-estar e dignidade intergeracional.
Em tempo: e quem solidamente
comemorou o dia da criança, a indústria e o comércio com incremento dos lucros
e o Estado com mais tributos.
Ademais, "noventa e seis por
cento das mais de 1.500 crianças ouvidas apontaram o dia do aniversário como um
dos dias mais felizes'. "Segundo os pais, essa alegria não se deve aos
presentes, mas às atenções que a criança tem de toda família", anuncia a
Sociedade Brasileira de Pediatria em pesquisa encomendada ao Datafolha [14].
E parabéns aos pais e mães do movimento: Infância Livre de Consumismo.
Como gozar a felicidade?
Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012
[1] O Jornal, 24/fev/2008
[2] Tribuna Independente, 30/jan/2012
[3] Tribuna Independente, 16/out/2011
[5] Revista Veja, 18/fev/2009
[6] Tribuna do Sertão, 08/out/2012.
[8] Tribuna Independente, 10/out/2012
[9] Tribuna Independente, 13/jul/2010
[10] Tribuna Independente, 28/mar/2010
[11] g1.globo.com, 12/jul/2012
[13] Desenvolvimento
Sustentável é um processo dialético, de desinteresse mútuo, de cidadania igual
e de liberdades reais, que compartilhado pelas diversas categorias [conflito]
ao utilizarem, conservarem e preservarem os recursos naturais, transforma-os em
bens e serviços: do autoconsumo ao mercado, do PIB às rendas [gestão]
destinados ao bem-estar social e ecológico de todos no presente e no futuro
[justiça social].
É acertada sua intransigência com o trabalho infanto-juvenil, parabéns pelo texto. Toninho
ResponderExcluirconcordo que crianças e adolescentes de até 14 anos não devem exerce trabalho assalariado, pago ou penoso, mas também não podem ficar sem ajudar a família em pequenas lides caseiras (no meio rural, tratar animais, embalar produtos leves. No meio urbano lavar um louça, limpar móveis, lavar um carro, por exemplo). São duas posições radicais: 1. pais que colocam filhos a ganhar dinheio e 2. filhos e conselhos tutelares que chegam a denunciar pais por exigir dos filhos a execução de tarefas domésticas que fazem parte do aprendizado para a vida e não prejudicam estudos e não exigem esforço além da capacidade.
ResponderExcluirExcelente texto. Carol
ResponderExcluirÉ preciso ler o ECA, Oto
ResponderExcluirAté parece que quem planeja desconhece a pobreza brasileira. Parabéns pelo texto. Lúcia
ResponderExcluirRepassei esse texto muito bom a outros amigos. Carlos
ResponderExcluirNem parece o mesmo governo, o PAA leite e o Brasil carinhoso. Boa observação Marcos. Oto
ResponderExcluirÉ preciso ler o ECA para entender o que a lei impõe. Vanessa
ResponderExcluirComo as crianças pobres estão abandonadas. Vera
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirA observação sobre quem ganha com o dia da criança foi preciosa. Gabi
ResponderExcluirDiscuti esse texto oportuno com outros técnicos. Cássio
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Suzana
ResponderExcluirVamos ler o ECA. Mauricio
ResponderExcluirPor uma infância longe do trabalho e do consumismo, perto dos livros. Marcelo
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