domingo, 14 de outubro de 2012

Uma SOCIEDADE apática

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

"Ninguém deve ser reduzido a seu nascimento" [Eleni Varikas em Democracia: Um combate da sociedade consigo mesma, 2001]. Essa é uma das promessas menos cumpridas de um regime democrático.

Crianças retirantes do campo, agora trabalhadoras no lixão de Arapiraca, como tantas outras de sua idade em qualquer lugar de Alagoas e do Brasil. Aliás, crianças e adolescentes pobres de 5, 9, 13, 17 anos enfrentam o batente do trabalho nos cortes da cana-de-açúcar, nas lavouras de fumo, nas olarias, nos lixões – “R.S, de 11 anos, ajuda na renda familiar com o que recolhe do lixo" [1]; e no desempenho de tarefas como cuidar de pequenos animais, hortas e dos irmãos mais novos.

Outros deixam de ir à escola para se prostituírem em troco de alguns poucos reais. Ah, lembrados pela presença angelical nos prostíbulos -”Trabalho infantil é um passo à prostituição” [2]; ou de alguns mais reais para traficar drogas - "Meninos de 12 anos são cada vez mais usados por traficantes" [3].

E tem mais: "Juízes e promotores de Justiça de todo país concederam, entre 2005 e 2010, 33.173 mil autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, o número equivale a mais de 15 autorizações judiciárias diárias, nos 26 estados e no Distrito Federal", segundo Ministério do Trabalho e Emprego [4]. Uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA, à Constituição Federal. Que despautério!

Para o ECA é criança a pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 28 anos de idade. O ECA [Lei 8.069] é incisivo, para menores de 14 anos, trabalho só como aprendiz [ver art.67].

É através da oferta desse trabalho indesejável que crianças e adolescentes continuam a transferir suas mais-valias para os setores economicamente ricos: financeiro, industrial, comercial, estatal e para a economia subterrânea; e assim, os mantém ora na pobreza, ora na indigência. É assim que 35,9% dos nordestinos entre 05 a 17 anos continuam em extrema pobreza, segundo o IBGE (2010). E uns poucos têm escola e mesada garantida de até R$ 700 [5].

Estudo feito pela USP com base no Pnad de 1995 revela: "As perdas acumuladas por pessoas que ficaram economicamente ativas dos sete aos 14 anos, e cuja idade em setembro de 1995 variava entre 21 e os 55 anos, representavam perto de 30% do PIB. Para termos ideia, ainda segundo o estudo, com R$ 11,3 bilhões [1,7% do PIB] seria possível estender à totalidade das crianças trabalhadoras o programa de Bolsa Escola [Peti], o que tiraria da ignorância milhares de trabalhadores-mirins de sete a 14 anos e elevaria seus ganhos salariais e, consequentemente, o PIB" [Cipola, O trabalho infantil, Publifolha, 2001].

É o setor agrícola quem mais usa essa mão de obra, e na agricultura familiar é mais intensa. Primeiro pelo hábito secular dos agricultores de que o trabalho das crianças e dos adolescentes reforça o orçamento familiar, o que parece ser uma verdade, é perversa e à margem do ECA.

Pelo primitivismo das sociedades ricas, dos ‘donos do poder’ em manter a má distribuição de renda; o trabalho infantojuvenil é a forma mais perversa para preservar pais e filhos sem opções de escolhas múltiplas: da oferta do serviço à remuneração decente; da desobediência e ou ausência de marco legal às relações sociais, econômicas e ecológicas; do não acesso à educação, saúde, moradia ao lazer; e ainda agrava a situação de suas crianças impossibilitadas de terem uma alimentação diária com caloria suficiente para seu desenvolvimento muscular e intelectual, e de frequentarem à escola. Pais e filhos estão sob o jugo das relações capitalistas de produção, da divisão social e internacional do trabalho.

Pela falta sintonia e eficácia entre os eventos e estratégias que tratam da abusiva ilegalidade do uso da mão de obra infantojuvenil; e pela ausência de práticas dialéticas que assegurem aos pais e filhos assento no debate sobre o controle dos recursos naturais [renováveis e não renováveis] e dos tributos, e na formulação, implementação e correção de políticas públicas que ora atendem ao clientelismo dos gestores públicos, sempre sob o viés hierárquico: sabe com quem está falando. 

Além disso, a penúria das crianças literalmente abandonadas pela sociedade e pelo Estado expõe nossa consciência social – “Cerca de 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no Brasil antes dos 5 anos de vida, desse percentual, estima-se que quase a metade das mortes está relacionada a miséria na qual vivem” [6]

No Programa de Aquisição de Alimentos/PAA leite, a nutriz [com criança de 0 a 06 meses] recebe um litro de leite/dia; a criança pode voltar a este programa com idade entre 02 a 07 anos. E no vazio, de 06 meses a 02 anos, ela passa a frequentar o cemitério pela morte anunciada?

E em 03 de outubro, a presidente Dilma Rousseff sancionou lei que trata do programa Brasil carinhoso - uma estratégia que garantirá R$ 70,00/mês a crianças de até 06 anos, em pobreza extrema. Agora ela tem dinheiro para garantir sua alimentação, seu leite

Aliás, renda abaixo de R$ 2.590,00 para uma família de 04 pessoas, agora em agosto, segundo o DIEESE, não atende as necessidades de moradia, alimentação, vestuário, educação, saúde, transporte, previdência, lazer asseguradas no artigo 7º da Constituição Federal. Portanto, há mais brasileiros e brasileirinhos em situação de pobreza.

Outro infortúnio infantil: Escola de Monteirópolis, Alagoas, tem a pior nota do IDEB no país [1,8 para as séries: da 1ª a 5ª, e nota 1,6 da 6ª a 9ª]” [7].

O Brasil descumpre literalmente os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, principalmente aqueles ligados às crianças rurícolas: Erradicar a extrema pobreza e a fome; Atingir o ensino básico universal; Reduzir a mortalidade na infância; Combater o HIV, a malária e outras doenças.

E o Conselho Nacional de Justiça / CNJ assina termo de cooperação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância / UNICEF para proteger direitos da criança [8]

Faz sentido, jovens com idade para o trabalho e pais apropriarem-se do artigo 186 da Constituição Federal que trata da função social da propriedade; da Lei da Agricultura Familiar e do Empreendimento Familiar Rural [como opção de fixação da família no campo, pelo acesso e incremento de rendas líquidas produtivas e/ou rendas não produtivas, e para assegurar a sucessão familiar]; da Lei Geral de ATER [ferramenta poderosa para alavancar os serviços de ATER]; do Território da Cidadania [em 2008, as ações socioeducativas no valor de 1.879.680 reais, pouco para atender 7.832 crianças e jovens em situação de trabalho]; do artigo 07 da Carta Magna [que trata da decência das condições de vida] e do ECA, como cumpri-lo se por exemplo, “apenas 30% dos Conselhos têm telefone” [9]; enquanto isso, “por mês, cada deputado recebe R$ 39 mil para custeio de gabinete” [10].

“Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz pelas suas crianças e seus adolescentes. Não é o Produto Interno Bruto, é a capacidade de o país, do estado e da sociedade, de proteger o que é o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e adolescentes, afirmou a presidente Dilma Rousseff, na 9ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente [11].

E o consentimento tácito do Estado [Legislativo, Executivo e Judiciário], da Sociedade, e da Família solapa os objetivos do ECA – “A taxa de pobreza entre as crianças até 4 anos é hoje de 28,3%, já incluído a Bolsa Família da mãe, o salário do pai, a aposentadoria dos avós” [12]. Por esse despautério, Estatuto das Crianças e dos Adolescentes neles!

Está satisfeito com essas políticas públicas? É seu dever avaliá-las. Urge para o Desenvolvimento Sustentável [13] uma concertação de ações de cidadania igual, de liberdades reais e de políticas públicas às crianças e adolescentes rurícolas, que empoderadas pelo tirocínio escolar, inclusive ao cursar uma faculdade, poderão fazer melhores escolhas e assegurar os vitais bens primários [e segundo Rawls (2002) são eles: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, oportunidades, renda, riqueza, liberdades, direitos], da fase infantil à adulta, para sua prosperidade, bem-estar e dignidade intergeracional.

Em tempo: e quem solidamente comemorou o dia da criança, a indústria e o comércio com incremento dos lucros e o Estado com mais tributos. 

Ademais, "noventa e seis por cento das mais de 1.500 crianças ouvidas apontaram o dia do aniversário como um dos dias mais felizes'. "Segundo os pais, essa alegria não se deve aos presentes, mas às atenções que a criança tem de toda família", anuncia a Sociedade Brasileira de Pediatria em pesquisa encomendada ao Datafolha [14]. E parabéns aos pais e mães do movimento: Infância Livre de Consumismo.

Como gozar a felicidade?

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2012



[1]  O Jornal, 24/fev/2008
[2]  Tribuna Independente, 30/jan/2012
[3]  Tribuna Independente, 16/out/2011
[4]  www.ecodebate.com.br, atividades pela justiça, 20/out/2011
[5]  Revista Veja, 18/fev/2009
[6]  Tribuna do Sertão, 08/out/2012. 
[7]  Gazeta de Alagoas, 19/ago/2012
[8]  Tribuna Independente, 10/out/2012
[9]  Tribuna Independente, 13/jul/2010
[10]  Tribuna Independente, 28/mar/2010
[11]  g1.globo.com, 12/jul/2012
[12]  Gazeta de Alagoas, 22/jul/2010
[13] Desenvolvimento Sustentável é um processo dialético, de desinteresse mútuo, de cidadania igual e de liberdades reais, que compartilhado pelas diversas categorias [conflito] ao utilizarem, conservarem e preservarem os recursos naturais, transforma-os em bens e serviços: do autoconsumo ao mercado, do PIB às rendas [gestão] destinados ao bem-estar social e ecológico de todos no presente e no futuro [justiça social].
[14]  www.ecodebate, 10/out/2012





15 comentários:

  1. É acertada sua intransigência com o trabalho infanto-juvenil, parabéns pelo texto. Toninho

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  2. concordo que crianças e adolescentes de até 14 anos não devem exerce trabalho assalariado, pago ou penoso, mas também não podem ficar sem ajudar a família em pequenas lides caseiras (no meio rural, tratar animais, embalar produtos leves. No meio urbano lavar um louça, limpar móveis, lavar um carro, por exemplo). São duas posições radicais: 1. pais que colocam filhos a ganhar dinheio e 2. filhos e conselhos tutelares que chegam a denunciar pais por exigir dos filhos a execução de tarefas domésticas que fazem parte do aprendizado para a vida e não prejudicam estudos e não exigem esforço além da capacidade.

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  3. É preciso ler o ECA, Oto

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  4. Até parece que quem planeja desconhece a pobreza brasileira. Parabéns pelo texto. Lúcia

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  5. Repassei esse texto muito bom a outros amigos. Carlos

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  6. Nem parece o mesmo governo, o PAA leite e o Brasil carinhoso. Boa observação Marcos. Oto

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  7. É preciso ler o ECA para entender o que a lei impõe. Vanessa

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  8. Como as crianças pobres estão abandonadas. Vera

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  10. A observação sobre quem ganha com o dia da criança foi preciosa. Gabi

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  11. Discuti esse texto oportuno com outros técnicos. Cássio

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  12. Parabéns pelo texto. Suzana

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  13. Vamos ler o ECA. Mauricio

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  14. Por uma infância longe do trabalho e do consumismo, perto dos livros. Marcelo

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