sábado, 17 de março de 2012

"AQUI, não tem governo não

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Há 10 anos eu plantava fumo, mas quando eu quis mudar de atividade e aprender a cultivar hortaliças quem me deu a mão foi meu o vizinho aqui do lado, que me ensinou os macetes”. Eu bem que queria... Se pudesse eu pegava um dinheirinho para empregar na ampliação da roça”. (O Jornal, 19/mai/2009). Assim seu Zé Cícero Félix, agricultor familiar em Arapiraca, expõe ora a ausência, ora a ineficiência do governo: municipal, estadual e federal em atendê-lo e a outros: Zés, Marias e Joãos ávidos por vida digna.

Por isso, os agricultores familiares e suas representações: Fetag, Agrifuma e o Sindagro [Sindicato dos Trabalhadores do Setor Público Agrícola e Ambiental de Alagoas] continuam cobrando do governo um serviço de pesquisa agropecuária e extensão rural de qualidade, eficaz para auxiliá-los a decidir sobre quais as melhores ferramentas gerenciais [governança] para asseverar-lhes: o uso, conservação e a preservação dos recursos e serviços naturais [manejo adequado e oportuno de solo, água, plantas, animais e insumos, entre eles, o biotecnológico]; aumento da produtividade: renda bruta por hectare e renda bruta por homem; preços de mercado capazes de remunerá-los com lucro; políticas públicas dignas para moradia, alimentação, educação, saúde, planejamento familiar e lazer; e adoção de uma política de subsídios para dar sustentabilidade a sua unidade produtiva, e tranquilizá-los em sua unidade familiar, social e geográfica com ocupações e rendas decentes e legais, respeitando à natureza, e ainda controlando os tributos.

Ademais, é o Estado com políticas públicas amparadas por sua Carta Magna, principalmente o artigo 186 [da função social da propriedade] que em consonância com a Lei 11.326 [da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais] e com a Lei 12.188 [da Lei Geral de ATER] garanta o acesso e uso dos bens primários; e que ora é cobrado pelas representações dos agricultores e extrativistas familiares com o objetivo de melhorar o IDH dos que praticam agricultura familiar e sua toda complexa e relevante lógica familiar: terra e água [mitos e cultivos, uso e preservação], trabalho [pluriatividade e mais-valia] e família [sucessão e gestão, patrimônio imaterial e renda, cidadania igual e lazer].

No Estado, os agricultores familiares em maioria são minifundiários [com área inferior a 01 módulo fiscal], analfabetos com baixa produtividade da mão de obra – e uso da mão de obra infanto-juvenil; de prole ainda numerosa e rendas baixas e instáveis, alguns recebem bolsa família, vale gás, aposentadorias e outras transferências federais, ainda assim, rendas insuficientes para comprar e ou adotar tecnologias e serviços e resguardar o patrimônio imaterial; assim, degradam a natureza por necessidade de subsistir [muitos em insegurança alimentar grave].

Dia o dia, seu Zé Cícero Félix, a mulher, o filho e mais um trabalhador: “fazem o trato da terra e molham a horta, que gera um faturamento de R$ 1mil por mês; mas, isso não lucro, não; no final sobra pouco” – “lucro é o que você pode consumir durante uma semana e sentir-se tão bem no final como se sentia no início”, segundo Hicks. E Zé Cícero reclama da falta de assistência técnica e acesso às linhas de crédito.

E leva-os reivindicar do Estado um serviço estatal orientador, capacitador, articulador de ações e políticas públicas que minimizem e ou acabem com a condição de penúria social vivida por eles, bem relatada por um dos seus, seu Zé Cícero Félix. Nessas condições há necessidade de um serviço com hierarquia horizontal e flexível, ágil e eficaz de ATER [e o regime jurídico de direito privado atende essa condição] para realizar o aprender fazendo [uso metodologias participativas] capaz de ajudá-los em práticas inovativas [agrícolas - e agroecológicas - e organizacionais] que implementem a função social da propriedade. Auxilie o governo em seu projeto de transformações sociais, legitime a governabilidade.

Está no auge do debate, a Assistência Técnica e Extensão Rural/ATER brasileira e alagoana; e nos meses de fevereiro e março do corrente foram realizadas as conferências municipais, territoriais, livres e estaduais com dezenas de milhares de participantes [técnicos e secretários de agricultura, representantes governamentais e ongs, federação de trabalhadores e de patrões, universidades, políticos, quilombolas e indígenas, catadoras de mangaba e outras comunidades tradicionais, agricultores e extrativistas familiares, mulheres e jovens rurais] que debaterem problemas e proposituras, a Lei Geral de Ater e estilos de vida; e aprovaram encaminhamentos, um conjunto de ações para alavancar a produção e o consumo, uso e preservação dos recursos e serviços naturais, uso e controle do patrimônio imaterial e tributos, lazer e opções de permanência no campo, os serviços de pesquisa e ATER, a criação de leis e protagonismo [a liberdade individual e a cidadania igual].

E nas conferências alagoanas, foram aprovadas a criação da lei estadual de ATER, e para o Brasil a criação do sistema nacional de ATER, da entidade de Direito Privado para coordenar este sistema e da secretaria nacional de ATER no Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA - um indicativo da FASER [Federação Nacional dos Trabalhadores da Assistência Técnica e do Setor Público Agrícola do Brasil]. Vale acrescentar que em Alagoas, o debate em um único dia foi prejudicado, inclusive com demonstração de insatisfações por esta ocorrência por muitos participantes.

O debate nesses espaços públicos é vital, aja visto a diversidade de tipos de agricultores e extrativistas familiares, de povos e comunidades tradicionais, e de jovens rurais que empoderados participem doravante das conferências [municipais, territoriais, estaduais, livres e nacional] para assegurem que suas demandas [inclusive as reprimidas] estejam garantidas no PPA, na LDO e na LOA, e assim proporcione opções para sua permanência no campo e melhorias de sua precária condição de vida [social, econômica e ecológica].

Agora, a motivação e o argumento, o devir e o porvir, para o esperado debate sobre o serviço de ATER público e privado, sobre a Lei 12.188, em Brasília [abril de 23 a 26] é real e exequível. A Lei 12.188, é uma política de estado que precisa ser apropriada por essas categorias, já. Por isso, estão a caminho de Brasília, técnicos e pesquisadores, governantes e governados, comunidade informacional e universidades, agricultores e extrativistas familiares, povos e comunidades tradicionais, mulheres e jovens rurais - por um Brasil rural com gente feliz.

De modo que, é preciso cada vez mais ocupar a esfera pública [o locus da política], espaço em que o agricultor, o extrativista, o rurícola e suas famílias [cidadãos iguais e livres] e suas representações chamem o Estado às responsabilidades. E que o Estado como arrecadador e distribuidor dos tributos garanta que os benefícios da cooperação social assegure a sustentabilidade de suas lógicas familiares: terra e água, trabalho e renda em seus lugares de origem, o acesso e uso dos bens primários: autoestima, inteligência, imaginação, saúde e vigor, direitos, liberdades e oportunidades, riqueza, felicidade (RAWLS, 2002) com dignidade.

Publicado pela Tribuna independente, março de 2012

11 comentários:

  1. Vou estar na conferência, bom ter lido esse texto. Valdir

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  2. Qualquer avanço exige o exercício da cidadania, bem dito no texto. Ana

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  3. Caro Marcos,
    como sempre, excelente reflexão,
    Cícero Péricles de Carvalho

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  4. Parece que tá faltando muita coisa para a agricultura familiar avançar ou, pelo menos, não acabar. E assistência técnica é algo fundamental para isto. Publiquei em www.maisrural.com.br um pequeno texto "O fim da agricultura familiar" que numa visão pessimista aponta para um caminho sem volta para estes agricultores, caso os governos não mudem a forma de ver o rural.

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  5. Esses três ultimos artigos são essenciais importantes para a discussão na CNATER. Diogo

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  6. Estou indo para a CNATER. Bom ter lido esse texto. Carlos

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  7. Repassei este texto em reuniões com jovens rurais. Isabel

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  8. Parabéns MARCOS, o blog é atualizado, bem redigido é de utilidade para todos comunicadores rurais e reflexão política.
    Um abraço,
    Verneck-ABER-PB

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  9. Um texto bem atual para o momento vivido pelo agricultor familiar. Everaldo

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  10. Concordo com o Verneck-ABER-PB. Gildo

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