sábado, 30 de outubro de 2010

Sem LIBERDADE de escolhas

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

A Nature publicou um estudo em que o valor de 17 serviços do ecossistema valeria anualmente em média, 36 trilhões de dólares. Esse valor capitalizado pela taxa atual do ministério da Fazenda Americano corresponderia a pouco mais de 500 trilhões de dólares. Esses valores apesar de serem reconhecidamente baixos pelos defensores da ecologia profunda continuam encontrando defensores mais pragmáticos, que afirmam: é fácil substituir os recursos naturais por outros elementos, a princípio, não há qualquer problema; pois, o mundo pode viver bem sem os recursos naturais, aliás, a exaustão é um evento, não uma catástrofe.

E nesse processo de vida humana e não humana, a ciência e o Estado, minimizam os danos ecológicos – “na caatinga, ainda se caça por esporte, a derrubada de árvores é feita sem controle, a soja e a cana-de-açúcar estão substituindo a flora nativa, o gado ocupa largas extensões de terra e a produção sustentável é rara”; e os direitos sociais – “por preconceito, instituições de ensino rejeitam filhos de favelados, que não têm alternativas a não ser ficar expostos ao perigo” (Gazeta de Alagoas, 2009).

Assim cresce, à senhorial ordem vigente, reforçada, por exemplo, pelo comentário de Reagan [citado por Pinheiro, Transgênicos: o fim do gênesis], ao perguntar à Academia de Ciências: “Que devo fazer para que os EUA continuem primeiro país no mundo nos próximos cem anos? Investir em fotossíntese foi à resposta da Academia”. Uma solução: sementes transgênicas patenteadas. O uso delas traz benefícios, todavia, causam malefícios, também, ao agricultor e ao extrativista familiares: da servidão ao dono da patente à interferência sistêmica na variabilidade genética, principalmente, nos Centros de Origem das Espécies com perdas irreparáveis à biodiversidade e as suas rendas. E sem liberdade de escolhas, o agricultor e o extrativista desconstroem suas lógicas familiares [terra e água, trabalho e família], e em êxodo, à Sodoma e à Gomorra.

E pelo comentário de John Kennedy [ainda citado por Pinheiro]: “Pergunte o que você pode fazer pelo Estado e não o que o Estado pode fazer por você”. Coloca em cheque a dialética e a cidadania igual, a voz e o voto do homem e da mulher, pois enfraquece ou elimina a autonomia individual e representativa, a criatividade e a liberdade inerente a essa autonomia. O Estado usa a ciência, a tecnologia e a mídia, para resguardar qualquer indagação; faz isso sistematicamente, enaltecendo os modos e meios que visam aniquilar tipos de desenvolvimento humano, social e ecológico [artigos: 5º, 6ª e 225 da Constituição Federal] que não se sujeitam a essa ordem, por exemplos: “Alagoas tem um ponto de prostituição infanto-juvenil a cada 35,9 km e ocupa o sexto lugar no ranking nacional” (Tribuna Independente, 23/out/2010); enquanto isso, "vereadora recebia Bolsa Família" (Tribuna Independente, 29/out/2010). E, “Ouro Branco está virando um deserto. O povo precisa entender de uma vez que a natureza é tudo para a gente, não tem como se pensar em produzir qualquer coisa no campo, com toda essa degradação”, comenta Vanessa Gomes (Gazeta de Alagoas, 24/jan/2010).

Nesse sentido, as crianças e adolescentes, os rurícolas, os agricultores e os extrativistas [... quilombolas, caboclos e índios] continuam sendo tratados, à margem da distribuição da riqueza privada e da pública, do exercício da liberdade individual, e literalmente no sentido jocoso como caipiras, matutos, bugres... .

Aliás, os atuais modos de produção, de distribuição e de consumo, e os novos conhecimentos possibilitam bem-estar para uma minoria de indivíduos; e, à maioria de rurícolas, agricultores, extrativistas [além da perda do seu patrimônio imaterial], citadinos e suas famílias: o sobretrabalho, o subemprego, e há ainda os que vivem daquele terrível ócio, o desemprego; por fim, a penúria social.

Ainda assim, continuam as soluções fabricadas por experts [em geral nos gabinetes], e incorporadas como externalidades: ora social para resolver as questões ligadas aos processos sociais [principalmente daqueles incluídos na classe E, com renda de até 02 salários mínimos], ora ecológica porque acaba repercutindo negativamente na microbacia, na bacia hidrográfica.

Entretanto, “cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros” (RAWLS, 2002).

Então, refletir o Relatório Brundtland sobre “a capacidade das gerações presentes atenderem suas necessidades sem comprometer a capacidade das gerações futuras também o fazerem”, faz com que, homens e mulheres [crianças, adolescentes e adultos] exercitem sua capacidade de cooperar entre si, hoje; para que, a dialética, a cidadania igual e a liberdade individual assegurem a unidade e a diversidade de pensar, dialogar e agir com liberdade de escolhas, local e globalmente, buscar soluções para um bom viver prosaico e poético com todos, para o desenvolvimento sustentável - conflito, gestão e justiça social - também amanhã.

Publicado pelo jornal: Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2010.

10 comentários:

  1. Uma ótima leitura para a véspera de uma eleição. Rui

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  2. Para avançar em qualidade de vida, os agricultores devem exercitar a cidadania igual, ponto final. Ana

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  3. Porque tanta dificuldade para entender que o agricultor e o pescador familiar vivem em situação difícil. Carlos

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  4. Lendo esses ótimos textos, é pertinente fazer esse comentário: num país onde pobre é ganha até meio salário mínimo, e os agricultores e pescadores familiares em maioria estão nessa classe. Há muito por fazer. João

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  5. Recebi a recomendação de leitura desse blog de um amigo. Gostei, e agora está entre meus favoritos. André

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  6. Aprecio esses ótimos textos. Ernana

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  7. A casa grande continua firme. Joana

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  8. Tirar o agricultor e o extrativista da pobreza é um dever da sociedade, portanto é não aceitar uma linha de pobreza tão baixa, meio salário mínimo,e é ridículo aceitamos mas essa atrofia feita pelo estado. João

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