domingo, 17 de outubro de 2010

ENCANTADO! INDIGNADO!

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

O homem e a mulher migram em busca de alimento, abrigo, vestuário e sexo em novos lugares, por isso migrar continua sendo uma condição importante para garantir-lhes à vida, primeiro como espécie; segundo para assegurar-lhes conforto material e espiritual [qualidade de vida]. Encantado!

Há 10 mil anos, iniciava-se a domesticação de plantas e animais por mulheres e homens, agora sedentários, a produção aumentava e estimulava o crescimento demográfico, novas crenças e valores eram estabelecidos; a partir desse novo modo de vida, agora assentados, está posta às condições para a exploração e apropriação da mão de obra, dos recursos e serviços naturais e dos tributos gerando riquezas, novos assentamentos humanos e posições sociais, mas também cidades desumanas e indivíduos em indigência e pobreza: “o crescimento da dívida de Alagoas está diretamente ligado à deterioração da qualidade de vida dos alagoanos” (Gazeta de Alagoas, 2009). Indignado!

Esse deslocamento migratório de indivíduos é saudável, pois dinamizam as regiões com sua mão de obra, renda, rituais, ritos, crença e valores, e produzem processos sociais [conflito, competição, cooperação, mediação, aliança, legitimação e poder], riquezas e barreiras, em especial as culturais. Face à facilidade de deslocar-se, uma grande massa de pessoas [maioria agricultores e extrativistas familiares] em condição de penúria move-se em direção à cidade – êxodo rural –, favelizando-as em busca de empregos e rendas mesmos indecentes e ilegais; essa crescente degenerescência do tecido social beira o caos.

Ora pela ausência de condições mínimas econômicas e lazer, o campo tem contribuído para aumentar a expulsão de contingentes populacionais, e os jovens são os mais atingidos – E o Censo Populacional de 2007, confirma, a cidade de Maceió tem 896.067 mil pessoas, mais gente do que a zona rural do Estado com 854.089. Denunciando assim a ineficácia das políticas públicas de permanência do homem, da mulher e de seus filhos no campo: da produção ao patrimônio imaterial salvaguardado; do consumo à renda produtiva; do planejamento familiar à renda não produtiva, e entre essas tantas: o ineficiente serviço de pesquisa agropecuária e extensão rural.

Então, enquanto espaço de vida e sociabilidade, os rurícolas, os extrativistas e os agricultores familiares sofrem com a deficiente infraestrutura de transportes, comunicações e serviços: estradas, internet, saneamento, energia, saúde, educação. E ainda, faltam-lhes motivações e ações para formular, ativar e corrigir essas políticas públicas ora em vigor. E por estarem sob o viés autoritário de certos grupos de interesses que ora comandam as ações de controle e dominação com práticas clientelistas, alimentam a degradação social e da natureza, e assim revelam as razões do baixo IDH dos municípios alagoanos.

Nesse sentido, esse modo de operar repercute ainda mais negativamente nos assentamentos rurais face à fragilidade de suas instituições - agentes sociais e econômicos, e movimentos sociais - dificultando saídas; em verdade os processos sociais que emergem dessa sociedade, de suas estruturas sociais em seu cotidiano mostram novos problemas: do relacionado aos movimentos associativistas e ecológicos à expansão dos direitos e deveres legais do agricultor e do extrativista familiar, sob o viés da distribuição da riqueza privada e pública [propriedade privada, PIB, recursos naturais, impostos...].

É a pouca riqueza privada, a dificuldade de acesso a riqueza pública, o difícil exercício da dialética, da cidadania igual, sobretudo, da liberdade individual na esfera pública os verdadeiros problemas dos rurícolas para melhorar sua incômoda posição social [sob o viés consumista], e não o seu modo de ser: matuto, capial, jeca e outros adjetivos pejorativos usados vigorosamente, e em geral, pelos citadinos, letrados, ricos...

Aliás, no lugar rural – há uma tradição citadina inculcada nesse modo de vida, o consumo superflúo – o pertencimento a diversos grupos sociais e interesses forja um ambiente de muita controvérsia: do acesso à informação a sua capacidade de exercer influência uns sobre os outros, inclusive na relação rural/citadina; e por sua natureza: instável, dinâmica e processual, a dialética [argumentações, mediações e consensos], tanto entre o rurícola e o citadino, como no meio deles, para aceitarem e adotarem a negociação e a legitimação de hábitos e representações como ferramentas de apreensão da realidade social e construção de práticas sociais que estabeleçam identidades e alianças para a permanência e ou migração.

Como, nas cidades, há uma tradição rural inculcada nesse modo de vida: do estender roupa no varal ao folclore. Portanto, vidas entrelaçadas, vidas em comunhão. Encantado!

Aliás, parece não ser mais possível identificar um agricultor, um extrativista familiar ou um grupo social demandante nos territórios: rural e da cidadania – gato de estimação recebe R$ 20 em Mato Grosso do Sul do Bolsa Família (Gazeta de Alagoas, 24/jan/2009); e “Trabalho infantil atinge 101 mil em Alagoas” (Tribuna Independente, 14/set/2010). Indignado!

Publicado pelo jornal: Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2010.

11 comentários:

  1. Um texto para ser lido e debatido nesta eleição, Ricardo.

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  2. Concordo com o autor, o problema do campo é a falta do exercício da cidadania. Lauro

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  3. Me mostro indignada tal qual o autor: chega de trabalho infantil. Ana

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  4. Estou divulgando esse excelente texto. Carla

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  5. Pela pouca riqueza privada e pelo pouco acesso a riqueza pública, é Alagoas, um estado em degradação do tecido social. Valdemar

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  6. Encantado pelo texto. Fernando

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  7. Minha indignação aumentou. Rui

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  8. Encantada com o texto. Marluce

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  9. Seu texto me deixou ora encantado com as possiblidades de melhorar a vida do rurícola; ora indignado por ainda não ter participado ativamente deste processo. Diogo

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