sábado, 11 de setembro de 2010

É CONTRAINDICADO

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

Não ter vida digna. E o agricultor e sua família, mesmo sendo responsáveis por 77% da mão de obra ocupada, por 54% da produção leiteira, 84% da produção de mandioca e por 67 % da produção de feijão, ainda não têm acesso aos bens e serviços de produção e de consumo, como um direito líquido e certo. E ao verificar sua baixa participação no PIB brasileiro [10%] confirma-se, essa sua condição. E mais, mesmo com 90% dos estabelecimentos agrícolas familiares, os bens e serviços produzidos nessas unidades produtivas deixam-lhes uma pequena renda, quase em geral sem lucro – lucro é o que pode consumir durante uma semana e sentir-se tão bem no final como se sentia no início”, diz o economista Hicks (K.Most, Accounting Theory, 1977). Então, conhece algum agricultor familiar que obtém lucro?

Vida difícil, por isso é relevante entender como se realiza a lógica do agricultor e do extrativista familiares – terra, água e biodiversidade [cultivos, coletas e mitos], trabalho [ocupações e renda] e família [patrimônio imaterial e lazer, posse e transmissão] – em municípios com indicadores sociais, econômicos e ecológicos de regulares a ruins; e ainda com um cenário desfavorável para aqueles que cultivam pequenas áreas, a promover danos continuados ao tecido social e familiar. Aliás, nessa lógica impera a desigualdade, o egoísmo comuns à esfera privada; e também, é marcada por grande heterogeneidade: ora pelo tamanho da área [até 04 módulos fiscais]; alto grau de dependência por uso e não uso dos recursos naturais; acesso as inovações; difícil pelo alto grau de analfabetos; relação de dependência com atravessadores em suas compras e vendas; apática prática associativista; rendas baixas e instáveis sempre, à maioria; e ora pelo dificílimo acesso aos benefícios gerados pelos tributos, inclusive por serem grandes contribuintes individuais – a carga tributária sobre a renda familiar de até dois salários mínimos é de 54%, e acima de 30 salários é de 29% [IPEA].

Ao agricultor, à Lei da Agricultura Familiar [Lei 11.326] e à Lei da Ater [Lei 12.188] para acessar dos benefícios da inovação tecnológica e organizacional à seguridade social; confirmar critérios e graus de exigência para que a exploração de atividade produtiva cumpra sua função social [Art.186 da Constituição Federal]; exercitar a cidadania igual participando de decisões, que diz respeito a sua posição na distribuição dos bens primários: liberdade, riqueza, renda, inteligência, autorrespeito e outros; assegurar o serviço estatal de pesquisa e extensão rural com qualidade [via empresa pública de direito privado]; e assim, sustentar à lógica familiar: terra, trabalho e família, ao conquistar posições sociais confortáveis, ora pelo uso e controle dos recursos naturais e dos tributos.

Para avançar nessas posições, necessário se faz que a academia, o governo, os ricos, e ele, o rurícola, o agricultor, o extrativista familiar e o trabalhador de aluguel, sejam ousados para discutirem essa pauta e implementá-la: planejando, formulando, executando, avaliando as políticas públicas, e corrigindo aquelas que atendem ao clientelismo político e ao seu conformismo. Assim, é preciso reformar as mentes e os corações na perspectiva de que a distribuição desigual da riqueza privada, da riqueza pública e de outras prerrogativas são toleráveis se ela contribuir para melhorar-lhes à vida.

Em Alagoas, 60% dos 03 milhões de pessoas são pobres – ganhos até ½ salário mínimo per capita domiciliar [IPEA] –, inclusive catando lixo e ou vivendo do trabalho e prostituição infanto-juvenil. É um Estado que necessita abrir-se ao diálogo; precisa de sua gente para avançar na dialética em assuntos caros a sua existência e a sua essência: ocupações e rendas decentes e legais; planejamento familiar, saúde, educação, segurança pública e alimentar com qualidade; moradia e lazer salubres; e patrimônio imaterial salvaguardado.

Aliás: “todo indivíduo nasce com um legítimo direito a uma certa forma de propriedade ou seu equivalente”[Thomas Paine,1795] da riqueza econômica, ecológica e cultural gerada e a ser gerada em ambiente de cooperação social e democrático, crie e assegure-o em seu lugar de origem, vida digna, pelo exercício de sua liberdade individual, principalmente na esfera pública.

Artigo publicado pela: Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2010.



12 comentários:

  1. Me acostumei a ler o artigo, semanal, deste blog. Continue neste empreitada. Rita.

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  2. Só com uma educação de qualidade, pode-se avançar no exercício da cidadania e na distribuição da riqueza.É um artigo elucidativo, Renan.

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  3. O texto me leva a uma reflexão: Por que não enxergamos que o alto imposto (54%) sobre a renda dos agricultores familiares, em especial,que ganham até 02 salários é um dos elementos fortes responsáveis por sua situação caótica. Arnaldo.

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  4. Continuo lendo os ótimos textos e repassando o endereço deste blog aos amigos, Eduardo.

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  5. Parabéns pelos artigos, Everaldo.

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  6. A citação: “lucro é o que pode consumir durante uma semana e sentir-se tão bem no final como se sentia no início”, sinaliza como estamos distante da real necessidade do agricultor familiar. Álvaro

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  7. A frase de Paine,1795, retrata que não houve evolução de sua proposta. Ricardo

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  8. Fico com a observação do comentarista acima. Ronaldo

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  9. Altos impostos para serviços tão ruins, reflete a necessidade de exercitar a cidadania por parte dos agricultores e pescadores familiares. Dema

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  10. Excelente texto. Sebastião

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