sábado, 14 de abril de 2012

Manoel e Maria, livres e cidadãos iguais?

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

No Brasil e em Alagoas, o êxito do desenvolvimento rural sustentável e do negócio agropecuário depende da disposição dos rurícolas, dos agricultores patronais e, principalmente, dos mais diversos tipos de agricultores e extrativistas familiares [dos povos e comunidades tradicionais] e dos jovens rurais em cobrarem dos governos, federal, estaduais e municipais, a realização do zoneamento ecológico-econômico, e atentar para o uso da Lei das Sementes Crioulas nesse zoneamento. O zoneamento agrícola em uso só prioriza algumas culturas. É também necessário avançar na demarcação das áreas indígenas e dos pescadores, na titulação das terras quilombolas e dos agricultores familiares e combater, com eficiência e rigor, a grilagem de terras públicas e privadas e o desmatamento ilegal [ter segurança jurídica].

É também papel do Estado [junto a iniciativa privada] a criação de opções para ampliação da oferta de dados meteorológicos, o aumento do volume de crédito, do teto de financiamento e do prazo de reembolso, e criação de um seguro agrícola de alcance e eficiente [diferenciado à agricultura familiar e à patronal]. Em nosso país a reforma agrária está paralisada; cabe também ao governo estadual avançar nessa agenda como estratégia de desenvolvimento econômico e social, em parceria com os governos municipais. Uma reforma agrária baseada no módulo rural e na composição familiar, e principalmente permitir aos jovens rurais opções de acesso à propriedade da terra, renda e educação.

Precisa-se pressionar o IBGE para que este revise sua metodologia de definição dos aglomerados urbanos e rurais; a lei do Código Tributário Nacional sobre cobrança de impostos rurais e urbanos também sob a expectativa do projeto de lei da Política de Desenvolvimento do Brasil Rural/PDBR em exame no Congresso Nacional também são elementos importantes no avanço das políticas governamentais de combate a pobreza no campo.

Urge cobrar das entidades de ATER e agentes bancários, estatal e não estatal, a elaboração de custos de produção reais para possibilitar o uso de inovações e, com isso, se avançar (i) no incremento da produtividade da terra e da mão-de-obra [dispensando a mão de obra infanto-juvenil], (ii) no crescimento da renda líquida das famílias agricultoras e (iii) assegurando-lhes o acesso e uso dos bens primários.

Pelo lado da educação, os agricultores familiares não contam também com uma rede capaz de atender a Política Nacional de Educação no Campo do Governo Federal, capaz de lhes preparar para o pleno desenvolvimento, habilitação e qualificação para o trabalho, lazer e cidadania. Em geral, as famílias agricultoras apresentam alto grau de insegurança alimentar e nutricional; ainda não têm o direito de estar livre da fome e da má nutrição.

As condições de acesso aos serviços estatais e não-estatais de pesquisa agropecuária e ATER, para orientá-los do sistema produtivo à comercialização de produtos de qualidade, convencionais ou orgânicos [e agroecológicos], in natura ou não, e no consumo no interior de seus lares são precárias, e quando feitos por órgãos e entidades de direito público, torna essa precariedade crônica, pelo aumento do grau de ineficiência desses serviços. Têm dificuldades para acessar mercados, principalmente o de compras governamentais, nas modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos/PAA, inclusive os jovens rurais.

Os agricultores familiares não viabilizam a preservação e uso do seu patrimônio imaterial, inclusive como fonte de renda, a exemplo do folclore e da alimentação típica de suas heranças culturais. Assim, não conseguem produzir uma renda mínima de R$ 2.398,82 para uma família de 04 pessoas como reza o artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal [atender as necessidade vitais da família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência – Salário ou renda mínima de janeiro de 2012, calculado pelo DIEESE, para fazer cumprir esse artigo], via renda agrícola e ou renda não produtiva, a maioria se enquadra no Programa Brasil sem miséria.

Os agricultores familiares não protagonizam, enquanto rurícolas e donos-associados, o ideário e a prática associativista/cooperativista, e a inserção em redes sociais internas e externas à comunidade, efetivando o grau de confiabilidade nas relações sociais entre os rurícolas, bem como entre os citadinos e outras categorias sociais e produtivas.

Não sustentam a multifuncionalidade de sua lógica familiar sob a guarda dos princípios ecológicos [interdependência, reciclagem, parceria, cooperação, fluxo cíclico dos processos naturais, flexibilidade, diversidade] exaltados por Capra (2002), tampouco conseguem ser inovadores e agregar valor aos produtos; não têm treinamento e práticas empreendedoras – Empreendedorismo “é o processo de criar algo diferente e com valor, dedicando tempo e o esforço necessário, assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfação econômica e pessoal”, segundo Robert Hirsch; não cumprem a função social da propriedade [Artigo 186 da Constituição Federal: o aproveitamento racional e adequado; a utilização dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores].

Enfim uma política de desenvolvimento econômico e social para o Brasil e Alagoas precisa garantir as diretrizes e a execução de programas, ações e projetos que garantam a cidadania plena aos agricultores e extrativistas [os povos e comunidades tradicionais] e aos jovens rurais, assegurando o acesso e uso dos recursos públicos em suas unidades [familiar, produtiva, social e geográfica] ao participar, acompanhar e avaliar o processo de planejamento, orçamentário e de execução [o Plano Plurianual/PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias/LDO e a Lei Orçamentária Anual /LOA, federal, estadual e municipal].

Esse processo aponta para a necessidade de estratégias sustentáveis – de uma gestão estratégica na bacia hidrográfica e na unidade produtiva – para o acesso, uso e controle dos recursos e serviços naturais e dos tributos e na inclusão dos custos [social e ambiental/ecológico] aos processos produtivos e extrativistas [custo de oportunidade]. Também, incorporar a perspectiva de gênero, de faixa etária e étnico-racial nas políticas públicas, bem como ter estratégias para promover os direitos e deveres constitucionais e o acesso e uso dos bens primários, com vigor às mulheres, adolescentes e crianças. Portanto, estudar a sociologia da agricultura familiar .

Isso tudo “é práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” [nos ensina Paulo Freire], e garantir-lhes bem-estar. Isso tudo depende da disposição do Manoel, da Maria, do Oscar, da Elenice como cidadãos iguais e livres. 

14 comentários:

  1. Atual esse tema. Rodrigo

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  2. Tô indo a CNATER, bom ter lido esse texto. Toninho

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  3. Reforçar seu artigo com Paulo Freire é ótimo. Gabriel

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  4. Convém lembrar a importância de incorporar os custos sociais e ambientais aos processos produtivos, e o texto deixa muito claro essa condição. Rui

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  5. Muito bom texto.Gustavo

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  6. Como temos dificuldade em compreender empreendorismo, e o seu esclarecimento sob esse tema foi bom. Maurício

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  7. Sempre Paulo Freire a nos ensinar. OTO

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  8. É difícil promover gestão estratégica em meio a tanta falta de conhecimento sobre o assunto no meio rural. Ricardo

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  9. Bom texto para ser debatido na CNATER. Carlos

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  10. Olá Carlos,

    Li umas partes sobre Manoel e Marias, quando li sobre a educação fico
    pensando, a educação é a base de tudo, p/ se ter uma boa segurança
    é necessario investir na educação, saúde de boa qualidade, tambem vem de uma boa educação, será que os governantes não sabem disso?
    grande abraço
    Robson caiçara (Rio de janeiro)

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  11. Marcos,
    Me desculpe troquei seu nome, não sei porque te chamei de Carlos,rsrsrs
    abrs
    Robson caiçara

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    1. Fico feliz com sua leitura sobre esse texto. Recomendo o próximo, e com o tempo vá lendo os mais antigos. Um abraço

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