sábado, 12 de novembro de 2011

Adão e Eva: Quem SOMOS

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

O Senhor castigou Adão e Eva expulsando-os do Éden, da Graça divina [do êxtase, do não trabalho]. E, sob o efeito dessa leitura, Adão e Eva do século XXI, continuam pagando um preço alto por essa conduta [ganharás o pão com o suor do trabalho: duro, servil, degradante, exaustivo na maioria dos casos], principalmente para os povos e comunidades tradicionais – os agricultores e extrativistas familiares: e como penitentes em transe, buscam o sonho da terra prometida.

Quando no século XVI, no Brasil, aportava à nau portuguesa na costa baiana; ao tempo em que fazia uma releitura da Visão do Paraíso, a exuberância dos nativos e da natureza, "uma visão do céu descendo sobre à terra", consagrada pela Sagrada Escritura – o Mito do Milênio. Estava diante dos olhos do mundo dos sete pecados capitais, o Jardim do Éden, era o retrato do encontro entre o mundo do pecado e o mundo do estado da Graça divina. Todos estavam em êxtase. Todavia, era um breve privilégio.

E, logo a seguir o contato, mentes, corpos e olhares, entre os visitantes [descobridores, invasores, dominadores, pecadores...] e aqueles que viviam em estado da Graça divina, desse encontro entre o Éden [mundo do não trabalho, da vida em êxtase] e a servidão [o mundo do trabalho ora como escravo-mercadoria ou em servidão – ora comunitária: o cambão brasileiro, um tipo de servidão comunitária, um sistema de endividamento que continua vigente – “Trabalhadores são resgatados da situação análoga à de escravo em Santa Catarina” (ecodebate.com.br, 11/out/2011) - o mundo do egoísmo: para uns poucos tudo, a exuberância dos pecados capitais, e para muitos reina um estado de privações e sofrimentos: desemprego, subemprego, opressão, depressão, vida indigna, penitência e, resta-lhes a esperança de entrar no Céu.

E o retrato tomar forma, pelo uso dos recursos naturais [terra, água, solo e planta], pelo uso da mão de obra dos índios e negros africanos escravos, pela Sesmaria que ganha musculatura e força; e detentora da propriedade da terra e da mão de obra, e em muitos casos do capital financeiro, exporta derivados da cana de açúcar e café para a metrópole. Há também uma riqueza gerada importante, uma agricultura secundária [criando galinhas e porcos, e cultivando mandioca, milho, arroz, feijão e outros produtos], realizada nos lotes de terras cedidos pelos senhores de Engenho e Religiosos aos escravos, índios e negros africanos, que abasteciam suas próprias dispensas e negociavam o excedente com o patrão e no aglomerado urbano.

Ressaltar-se que, também nas missões jesuítas, os índios escravizados em seus lotes de terra deram importantes contribuições tanto para o autoconsumo, como gerou excedentes agrícolas negociados; e garantir a sustentação dos assentamentos humanos, agora sedentários e prole em ritmo crescente.

Assim, à sombra da Casa Grande, do cultivo e da industrialização da cana de açúcar e do café, desenvolve-se uma agricultura de bens alimentícios, algodão, fumo e outros produtos, pelos índios e negros africanos escravos, em glebas pequenas, em geral, e nos dias livres da labuta, muitas vezes incluindo os dias santos e domingos, ou sob o regime de cotas - está estabelecido o protocampesinato índio e negro brasileiro ["o caráter estrutural da 'brecha camponesa' no sistem escravista, com sua lógica subjacente", em Cardoso: Escravo ou camponês, 2004]. Essa prática também servia para assegurar que esses agricultores escravos, não fugissem. Bem como, juntar dinheiro para comprar a liberdade [sua e de seus filhos].

Importante foram os mestiços [formados pela livre mestiçagem e filhos bastardos], que viviam e ocupavam as terras degradadas ou em áreas remotas fornecendo alimentos para os engenhos e vilas. Em geral, era uma agricultura feita pelo regime de meiação ou pagando um arrendamento ao dono da terra.

A esses se juntam os portugueses não herdeiros [como resultado do regime de morgadio: o primogênito é o único herdeiro legal]. Aos não herdeiros, permitia-se obter sua própria posse. Todavia pela falta de capital e mão de obra escrava, dificilmente chegavam à condição de sesmeiro, assim resta-lhes o cultivo em terras destinadas à produção de alimentos para o mercado interno.

Importante também, os imigrantes europeus – suíços, açorianos, alemães, italianos e outros –, eles começaram a chegar ao Brasil, praticamente com D. João VI [em 1808]. Eles tiveram suas viagens, receberam lotes e os primeiros implementos agrícolas custeadas pelo erário público, para formar núcleos de produção para o abastecimento interno. O resultado é que quando deixaram de receber o subsídio, não tiverem condições para sustentar seus negócios. A eles, os poderosos, os Senhores de engenho e os Barões do café barravam qualquer competição: do cultivo à dignidade.

Agora, libertos, pela caneta do Marquês do Pombal, a Lei de Liberdade dos Índios [1775], da Princesa Isabel, a Abolição da Escravatura [1888], e dos parlamentares, a Constituição de 1988 [art. 68 a titulação definitiva das terras aparece condicionada à expressão comunitária], ainda assim, a maioria continua com prole numerosa, analfabeta, em insegurança alimentar; e com minifúndios sem a posse e titulação da terra [terras de preto, terras de índio, terras de santo...], em insegurança jurídica, e com rendas precárias e instáveis, sem capital para inovar, sem os benefícios da cooperação social, sem controle dos recursos naturais e dos tributos; e com dificuldades para assegurar os direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança pública, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desemparado; que repercute negativamente na sucessão familiar. Estão em liberdade condicional.

Portanto, dos índios e os africanos escravos, dos mestiços, dos portugueses não herdeiros, dos imigrantes europeus a seus descendentes, que hoje, exploram, principalmente, 3.318.077 minifúndios e cultivam 46.684.657 hectares com lavouras de subsistência, a maioria [área média: 14,07 hectares, em geral, muito pequena, com baixa produtividade da terra e do homem, por isso com pouca chance para mantê-los no campo, principalmente no Semiárido e na Amazônia], com financiamento de 16 bilhões para a safra 2011/2012, ainda pequeno e com um serviço de pesquisa agropecuária e de Ater, estatal e não estatal, em geral ineficiente, por exemplos.

Assim, com o suor e a mais-valia da família, inclusive de seus filhos menores, um caos social, ora pelo difícil acesso aos bens primários [prerrogativas, riqueza, renda, alimentação, saúde, inteligência, autorrespeito, felicidade...]; ainda assim, muitas vezes nem abastecem sua própria casa, são chamados para negociar seus produtos para outras casas; aliás garantem a segurança alimentar de muitos, e em geral estão em insegurança alimentar e jurídica, mesmo produzindo 70% dos alimentos consumidos no país.

Eles escrevem a história [identidade e cultura] da ainda secundária e pequena agricultura brasileira, e em particular da diversa agricultura familiar, que continua filha bastarda do Sesmeiro, do Grileiro e do Latifundiário. Estes com financiamento de 107 bilhões para a safra 2011/2012 e intervindo fortemente para o não acesso à terra de milhões de agricultores e extrativistas familiares [povos e comunidades tradicionais] – “Oficialmente, o Brasil tem mapeado 743 comunidades remanescentes de quilombolas. Essas comunidades ocupam cerca de 30 milhões de hectares, com uma população estimadas em 2 milhões de pessoas. Em 15 anos, apenas 71 áreas foram tituladas” (Em Questão, 20/nov/2003) - "Os quilombolas do povoado Tabacaria em Palmeira dos Índios, Alagoas, celebram imissão de posse da fazenda Cabaceiras com 128 hectares" (Tribuna do sertão, 21/nov/2011).

Assim continuam sem liberdades fundamentais e sem cidadania igual [acesso à terra, água, biodiversidade, escola, saúde, lazer... ]; o que retrata a má posição brasileira no Índice de Desenvolvimento Humano, ocupa 84º [e no cumprimento do Estatuto da Criança e do adolescente], apesar da ótima posição na economia mundial, ocupa a 6ª posição, e da razoável renda per capita de 11,000 dólares/ano, em 2010; todavia é uma riqueza apropriada e acumulada por pouquíssimos.

Portanto, longe de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico universal: Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater o HIV, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Por isso, continuam no berço esplêndido da desigualdade regional e social. Reage agricultores familiares, reage comunidades e povos tradicionais, reage jovens rurais [inclusive para mudar o estatuto jurídico da propriedade da terra, que ora atende muito mal esses Adãos e Evas, ora ninguéns]. Por isso, continuam no berço esplêndido da desigualdade regional e social; reage agricultores familiares, reage comunidades e povos tradicionais, reage jovens rurais [inclusive para mudar o estatuto jurídico da propriedade da terra, que ora atende muito mal esses Adãos e Evas, ora ninguéns]. 

 Para aonde estão indo?

Em tempo: minifúndio - pequena propriedade rural cuja a exploração pode ser de agricultura de subsistência, com técnicas redimemtares e produtividade baixa, ou mecanizada, com técnicas bastante desenvolvida e alta produtividade (Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, 15 impressão).

Publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alagoas, novembro de 2011

8 comentários:

  1. Aprendi um pouco mais sobre agricultura familiar. Márcia

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  2. Daí uma das dificuldades para avançar na melhoria da qualidade de vida, principalmente os agricultores familiares. Aloísio

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  3. Um texto que resume bem o temos e para devemos caminhar. Marcelo

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  4. A nota sobre minifúndio esclarece muitas dúvidas sobre seu uso. Parabéns pelo texto, Márcio

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  5. Recomendei esse texto a outros colegas. Davi

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  6. um bom texto sobre agricultura familiar. Edgar

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  7. Um aprendizado importante. Lúcia

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