sábado, 19 de novembro de 2011

Adão e Eva: querem vida digna

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

No Brasil Colônia, a Sesmaria e sua legislação agrária impossibilitava o acesso à terra, enquanto proprietários, os índios e africanos escravos, os mestiços e imigrantes europeus e dificultava o acesso aos portugueses não herdeiros; no Brasil Imperial, a Lei de Terras [1850], que instituiu a alienação de terras devolutas por meio da venda [mas, proibia a venda em hasta pública]; agora sem capital para adquirí-la; no Brasil atual, a aquisição como forma legal de acesso à terra, via reforma agrária, data de 1964, com o Estatuto da Terra e de 1985, com o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária/PNRA, uma complexa operação para a posse e titulação definitiva, ainda hoje com muita dificuldades para resolver os conflitos pela terra, pela água, trabalhistas e outros, em 2010, somaram 1.186 com 559.401 pessoas envolvidas (Conflitos no Campo 2010).

O pesquisador, Gérson Teixeira, realça: “desde suas origens, notadamente com o regime de sesmarias e com a Lei de Terras, a concentração da propriedade fundiária no Brasil foi ampliada e consolidada como marca ao que parece indissolúvel da nossa história. [...] sobre a imutabilidade, nos vinte anos até 2006, dos níveis da concentração da terra no país”, conforme apurado pelo último Censo Agropecuário (www.ecodebate.com.br, 28/jun/2011).

Em curso a reforma agrária que o agronegócio quer. “Assim, o política de reforma agrária do governo do PT no primeiro mandato foi marcada por dois princípios: não fazê-la nas áreas de domínio do agronegócio e, fazê-la apenas onde ela pudesse ‘ajudar’ o agronegócio”. “E no segundo mandato, o governo do PT deu início à contra-reforma acoplada à expansão do agronegócio no Brasil. “A politica de ‘legalização’ da grilagem das terras do Incra na Amazônia Legal” (arioliv@usp.br -Conflitos no Campo Brasil 2010) - "Grandes companhias estão realizando uma nova forma de grilagem, usando contratos de longo prazo para explorar pequenos proprietários de terras em países em desenvolvimento", afirmou Olivier De Schutter, relator sobre direito à alimentação da ONU (Gazeta de Alagoas, 30/out/2011).

De modo que, está estabelecida a indisposição do Estado, enquanto ferramenta da ordem econômica e social, em garantir o acesso à terra, as liberdades fundamentais e a cidadania igual, o bem-estar e a dignidade dos que labutam nesta agricultura secundária, onde agricultores familiares e seus diversos tipos, geram riquezas: bens e tributos, em 4.367.902 estabelecimentos pela substancial utilização de 74% da mão de obra familiar, incluído as crianças e adolescentes – uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA; apresentam receitas de 41,3 bilhões de reais (DEL GROSSI e MARQUES, 2010); participam do Produto Interno Bruto/PIB com 11%, pequeno para quem põe na mesa da população brasileira 2/3 da produção de alimentos [e pequeno para redistribuir], sob o ponto de vista dos benefícios do erário público. Por outro lado, é alto os índices de mortes de crianças de até um ano em zonas rurais de pouquíssima renda (Censo 2010).

Bem como, por uma certa apatia dos agricultores e extrativistas familiares [das comunidades e povos tradicionais], principalmente dos jovens rurais, e suas representações em assumir como protagonistas – cidadãos iguais e livres –, a identidade e a cultura rurícola, a distribuição dos encargos e benefícios pela geração dessa riqueza privada e pública, equitativamente; e que resulta num Brasil com 44 milhões de pobres, sendo 16 milhões de miseráveis, 59% deles, nordestinos; dos extremamente pobres no campo: 56,4% sobrexistem no Norte; 52,5% no Nordeste; 38,9% no Sul; 33,1%, no Centro-Oeste; e 21,3% no Sudeste (IBGE, 2010).

“O que pesou muito na formação brasileira é o baixo nível destas massas escravizadas que constituirão a imensa maioria da população do país”, enfatiza Prado Júnior [Formação do Brasil Contemporâneo, 1999]. Com efeitos perversos tanto na formação como na multifuncionalidade da agricultura familiar [refletir sobre conceito da Lei 11.326 de 2006], no uso e preservação dos recursos naturais, no policultivo e pluriatividade da mão de obra, nas origens das rendas precárias e instáveis, inclusive para crianças e adolescentes, bem como na sucessão familiar e no êxodo rural [ora sob o ponto de vista da miserabilidade econômica, e nada sobre a ruptura dos vínculos com a natureza, com a terra, com a biodiversidade, com as relações de compadrios, com o patrimônio imaterial] dos agricultores e extrativistas familiares [das comunidades e povos tradicionais], que é agravada por que, “cerca de quatro mil escolas rurais já foram fechadas em todo o país. Queremos nossos filhos estudando no campo, perto de casa e com professores qualificados”, alardeia o Movimento dos Trabalhadores do Campo/MTC, ao ocupar Secretaria de Agricultura (Gazeta de Alagoas, 16/set/2011).

Para aonde estamos indo?

É o que Seu Nivaldo e sua família, após 05 anos no Tuerê [Assentamento Novo Repartimento] no Pará, com 15 hectares de muito mato, pouco pasto e alguma agricultura, e muito trabalho duro e desolamento. “Plantar eu planto. Feijão, arroz, milho, mandioca. Mas vou desistindo porque não tem jeito de vender. Às vezes ponho um tanto de arroz no burro, ando dez quilômetros até a estrada até a estrada vicinal, tem que esperar passar algum transporte, e, na hora de vender, o dinheiro compre uma lata de Óleo, lamenta. Questionado sobre a renda da propriedade, pensa um pouco e confidencia: são mais ou menos R$ 200 por ano”.

Afinal de contas, as ruins vias de acesso, a pouco terra, a mão de obra familiar não remunerada e analfabeta [de homens e mulheres: adultos, crianças, adolesecentes], a baixa produtividade do sistema produtivo, os preços aviltados, o abandono pelo Estado [e governos], a renda de R$ 200 por ano, sistematicamente vem empobrecendo seu Nivaldo e família. E o Ministério de Desenvolvimento Agrário/MDA, relata as condições dos assentamentos de Reforma Agrária: no Brasil, “mais de 50% das famílias reclamam das estradas e vias de acesso“. “Em Alagoas, 59% das famílias classificam como péssima a estrutura dos assentamentos” (gazetaweb.globo.com, 22/dez/2010).

Os Assentados da Reforma Agrária, estão à margem da economia brasileira, fazem parte da categoria dos deficientes econômicos, sobrevivem em insegurança alimentar e são afetados pela insegurança jurídica, assim não compartilham das características do Homo economicus , do homem e mulher modernos, em alta, ora pela satisfação consumista.

Ainda assim, seu Nivaldo, o entusiasta revela, “mas vai melhorar. Aqui é bom, é gostoso. E seu sorriso volta a iluminar a penumbra do barraco” (desafios.ipea.gov.br); em contraposição ao que diz, Maria Aparecida, sua esposa: "lá no Tocantins a gente tinha vizinhos, era uma alegria. Se eu pudesse, eu ia mimbora".

Está posta uma 'Reforma Agrária', que por não cumprir sua finalidade: o resgate da função social da propriedade, deixa-os sem perspectiva de acesso e uso aos bens primários: prerrogativas, renda, alimentação, inteligência, autoestima, felicidade... . O que reforça o argumento de Dom Tomás Balduino [Adital/2010 - Conflitos no Campo Brasil 2010]: “é uma anti-reforma agrária porque põe em ação todos os mecanismos que favorecem o latifúndio, a passagem da terra em grande quantidade às grandes empresas, sobretudo às de exportação de etanol, celulose, soja etc. O plano do governo desconhece os apelos de cinco milhões que querem a terra de viver e trabalhar", inclusive dos jovens rurais.

Nivaldo e Maria Aparecida: o que fazer para aprender a viver bem?

Publicado na Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2011

8 comentários:

  1. Leio frequentemente seus textos, que considero muito bons. Fábio

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  2. É bom conhecer sempre mais sobre a agricultura familiar, seus problemas e soluções. Valdir

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  3. Percebe-se no texto que precisamos ter sensibilidade para a importância do agricultor familiar. Há eles só trabalho? lúcia

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  4. Um alerta aos agrivultores familiares e técnicos do setor. Djalma

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  5. Que coisa ridícula uma renda de 200 reais por ano; seu Nivaldo precisa de nossa ajuda. antonio

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  6. Parabéns pelo texto esclarecedor.
    Antonio

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  7. Parabéns pelo texto. Mario

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