sábado, 26 de fevereiro de 2011

E no bolso, cadê o DINHEIRO

Marcos Antonio Dantas de Oliveira


Por isso, o agricultor familiar minifundista [até um módulo fiscal] – em maioria – precisa se apropriar das estruturas do agronegócio: a montante [de produção de sementes, misturadoras de fertilizantes e financiamentos] e a jusante [de beneficiamento, comercialização e distribuição, neste caso, a cooperativa de Pindorama faz com êxito; ainda assim, é comum, dono apático, prática cooperativista rara e incipiente].

Ademais, para cada R$ 1,00 gerado da agricultura familiar: R$ 0,18 ficam para quem comercializa sementes e outros insumos; R$ 0,70 ficam com quem industrializa e comercializa e somente R$ 0,12 ficam com o agricultor (Duarte e Sayago, UnB, 2006). Assim, da renda gerada por esse agronegócio, o agricultor fica com a menor porção, confirmando sua penosidade social; por outro lado, são as estruturas, a montante e a jusante que faturam alto nesse negócio.

É assim, que parte de sua mais-valia: via trabalho familiar não remunerado, ora pelo trabalho infanto-juvenil, ora pela jornada ampliada das mulheres, ora pela baixa remuneração do serviço e produto é transferida aos setores dominantes: industrial, comercial e financeiro. E explica a persistente funcionalidade da agricultura familiar em relação ao sistema capitalista e o seu papel no processo de expropriação, apropriação e acumulação das riquezas e das rendas também pelos demais setores.

Esses distúrbios têm origem nos custos de produção, uma vez que, das universidades, bancos, empresas de assistência técnica aos agricultores e extrativistas familiares são tratados como ferramenta quantificadora de coeficientes técnicos para o financiamento; e autoritária, serve de modo eficaz aos interesses do financiador [ou governo], inclusive midiaticamente – ao informar e formar opiniões sobre a eficiência do seu produto e ou serviço; mas, não como política pública modificadora de posição social.

Todavia, custos de produção são ferramentas indispensáveis a essas categorias [e seus diferentes modos de produzir, distribuir, consumir e conviver] e outros rurícolas, para formular, executar, avaliar e a corrigir as políticas públicas; elas devem ser construídas por agricultores e outros rurícolas [suas representações] e por técnicos [governos e Ongs] assegurando não só decisão de plantar e ou criar suas culturas e os desdobramentos de seus sistemas de produção; mas também, políticas públicas não agrícolas e não econômicas eficazes à vida digna: moradia, segurança alimentar e pública, vestuário, renda produtiva não produtiva, escolaridade, seguridade social, lazer, bem como pelo valor de uso ou de não-uso dos recursos e serviços naturais em suas bacias hidrográficas.

No cotidiano, a maioria dos agricultores e outros rurícolas continuam cultivando suas culturas com suas mais-valias, e orando para que seus santos protetores garantam chuvas e colheitas. E raro às vezes que dá certo, usarem o crédito da usura para assegurar o desenvolvimento e produtividade de suas culturas. E, para os que contratam o financiamento, o recurso disponível por hectare é pouco para remunerar a mão de obra; comprar os insumos, bem como para sustentar práticas preservacionistas em seus sistemas de produção.

Os rurícolas, os agricultores e extrativistas familiares e os trabalhadores de aluguel estão presentes na dinâmica dos negócios e tributos. Aliás, essas categorias pagam muitos tributos: “entre 1996 e 2008, passaram a representar 54% da renda das famílias que ganham até dois salários mínimos [aqui, a maioria dos agricultores e extrativistas familiares], contra 29% das que percebem mais de 30 salários” (Mailson da Nóbrega,Veja, 2009).

Em Alagoas, os agricultores familiares transferem continuadamente suas rendas aos setores dominantes; fragilizam suas identidades e suas lógicas familiares: terra, trabalho e família.

Assim seu João Rodrigues da Silva do Jaburu, Mata Grande, ao produzir 15 litros de leite, diário a R$ 0,65 (Agência Alagoas, 10/02/2011), assegura a exuberância da indústria, ao tempo em que transfere sua renda familiar, entre outros males, enfraquece sua dieta familiar diária [uma das razões da fome oculta, tão comum aos que têm baixo poder aquisitivo] - No Estado: 73% dos produtores de leite fabricam até 100 litros de leite por dia. Existem mais de 21 mil imóveis rurais envolvidos com a produção do produto, e a cadeia produtiva do leite gera 125 mil empregos diretos (Tribuna Independente, 18/dez/2009)

E assim, seu João Rodrigues potencializa as dificuldades de sua família para participar da distribuição da riqueza privada e pública gerada no Estado. É o seu exercício da liberdade individual e da cidadania igual que garante serviços, inclusive o de pesquisa agropecuária e extensão rural eficazes, à promoção de vida digna.

Publicado pelo jornal: Tribuna Independente, Maceió – Alagoas, 2011

13 comentários:

  1. Um texto pé no chão, ótimo para uma reflexão. Márcio

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  2. Marcos, cada vez mais você se supera, parabéns pelo artigo. Jane

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  3. Repito a frase é o seu exercício da liberdade individual e da cidadania igual os elementos básicos para avanços de posição social. Gino

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  4. Ótimos, texto e comentários. Ailton

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  5. Uma boa observação: leite a R$ 0,65 o litro é comprovadamente uma brutal transferência de renda do agricultor e sua família para a indústria. Parabenizo pela observação. Ana

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  6. Melhoria de vida, só exercitando às liberdades reais. Como diz o autor: ponto e basta. Lúcio

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  7. Depois de tanto trabalho do agricultor familiar, cadê o lucro da atividade agrícola, cadê o dinheiro no bolso. Uma boa chamada. Maurício

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  8. É verdade os custos de produção, em geral, com valores aquém da real necessidade para conduzir a lavoura, só servem para transferir renda a terceiros. Odilon

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  9. Uma beleza de artigos provocativos. gilson

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  10. Um texto para além da reflexão. Cátia

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  11. Para melhorar de vida, falta-nos, pensar e agir. Aldo

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  12. Gostei muito do texto e dos comentários. Ana

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