quarta-feira, 21 de abril de 2010

Livrou-se da morte no PAU-DE-ARARA

Marcos Antonio Dantas de Oliveira

A família toda partiu para São Paulo. Foi deixado bebê com os avós, era pequeno e doente. ...Naquele tempo não tinha ônibus e tiveram medo d’eu morrer na estrada”, comenta Haroldo, órfão do êxodo rural, agricultor, vaqueiro e barbeiro em Pilão do Gato/Ouro Branco [Gazeta de Alagoas, 24/01/ 2010].

Assim, os assentamentos feitos pelos programas federais, ora pelo INCRA, ora pelo Crédito Fundiário são essenciais para enfrentar esse tipo de penúria social e de degradação dos recursos e serviços naturais vividos pelos agricultores familiares, sobretudo, pela posse da terra, pelo estabelecimento da propriedade, e pela sucessão aos filhos, netos... .

Porém, é prática costumaz desconsiderar o uso atual do solo, da legislação ambiental e trabalhista [incluído o ECA], enfim da função social da propriedade [Art.186 da Constituição Brasileira], em propostas e ou projetos. E, invariavelmente, a propriedade adquirida é sempre pequena, em torno de 8 hectares [em Pão de Açúcar o módulo fiscal é 70 ha, em Maragogi é 16 ha]; aliás, está garantida a meta governamental como a pauperização dos campesinos, ora pela deficiente estrutura básica – água, energia, estrada, transporte, escola, saneamento básico, segurança pública –, pelo desprezo ao planejamento e a composição familiar [filhos, idade, sexo, escolaridade], pela insuficiência de renda familiar; ora pelo infortúnio minifúndio.

E assim com reflexos negativos às estruturas sociais rurais [família, associações, escola...]; à estrutura agrária [modos de produção e consumo, saindo dos princípios da revolução verde ao ecológico]; à garantia de renda decente oriunda da produção agrícola [inclusive por compras governamentais], e ou não agrícola como de renda não produtiva, ora pela criação de uma Bolsa Caatinga [usando o FECOEP – Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza], Bolsa Família, PETI, Vale Gás em resposta à proteção dos recursos naturais por não uso e a vida humana.

Essa prática acarreta danos irreversíveis aos agricultores, extrativistas, pescadores e familiares; pois, não tem gerado condições para mudar seus ambientes; solapa a cultura desses proprietários e suas famílias; repercute negativamente em suas condições de vida como compromete os objetivos desses programas. Aliás, também chama atenção à leitura fragmentada das informações contidas nos documentos sobre a realidade diagnosticada, gerada pela Academia e organizações ligadas ou não a esse setor, assim a sociedade e o estado, ainda não têm sido capazes de ajudar a alterar o quadro de pobreza ora posta, dos agricultores, extrativistas, pescadores e familiares, todos, em situação insustentável social, econômica, ecológica e patrimonialmente.

Pois, os agricultores, extrativistas, pescadores e familiares necessitam do acesso às inovações [tecnológicas, organizacionais e sociais], à gestão de bacias hidrográficas [conservação e preservação de florestas, caatingas, mangues, corpos d’água; à valorização da paisagem e da biodiversidade genética e cultural], inclusive com práticas contra os efeitos dos Gases do Efeito Estufa; e as políticas públicas: da segurança alimentar ao lazer, da produção ao vigoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente, e assim sustente-os em suas propriedades pela “constituição da hipoteca pelo domínio, ou seja, pela união mais íntima do homem à terra; a constituição da família pela perpetuidade e pela transferência do monopólio; enfim, a constituição da renda, como principio de igualdade entre as fortunas, esses são os motivos que, na razão coletiva, determinam o estabelecimento da propriedade” [Proudhon, Tomo II, 2007, p.204]; e promovem o bem-estar familiar e do entorno.

No entanto, o estado de "Alagoas concentra a distribuição de terras" - em 1985, era 0,858, agora em 2006, é de 0,871. O maior índice de Gini [mede desigualdade] do país (Gazeta de Alagoas, 01/10/2009). Inviabiliza, assim o estabelecimento da posse e sua sucessão, do bem-estar familiar e do entorno; e ainda aniquila o sentimento comunitário e o de pertencimento a uma identidade, a uma cultura própria, à campesina.

Então, é preciso planos, programas e projetos que habilitem, qualifiquem e valorizem o uso da terra, da água e da biodiversidade, e dê relevância ao bem-estar social [individual e coletivo] dos campesinos e suas famílias, sobretudo pelo seu protagonismo na esfera pública [a mulher e o homem falam e atuam ao exercitar a dialética, a cidadania igual e a liberdade individual]. Porque está em debate o uso e o controle da terra, da água, dos recursos genéticos e tributos. Aliás, por que não garantir a essas famílias à propriedade e uma renda – capazes de assegurar a posse e a sucessão – como elementos libertadores de suas vidas indignas.

Artigo publicado pela Tribuna Independente, Maceió - Alasgoas, 2010

7 comentários:

  1. O artigo retrata bem a condição de abandono aos que produzem nossos alimentos, Bete.

    ResponderExcluir
  2. Os programas de reforma agrária precisam ter em pauta não só posse como a transmissão da propriedade aos herdeiros. Chega de assentamentos com áreas minifundiárias, Mauro.

    ResponderExcluir
  3. Bem colocado, os programas de agrária devem considerar o tamanho da propriedade (no mínimo o módulo fiscal municipal)e rendas não produtivas, como forma de assegurar a posse e transmissão aos filhos, Sávio.

    ResponderExcluir
  4. Um artigo que nos obriga a uma profunda reflexão, Araújo

    ResponderExcluir
  5. A discussão sobre o novo código florestal requer um novo olhar sobre os projetos de assentamentos, para assegurar a transmissão aos herdeiros, Artur

    ResponderExcluir
  6. Aqueles que vivem da exploração dos frutos da terra, precisam cobrar do Estado a realização de um zoneamento ecológico-econômico que garanta a exploração e coleta de produtos e a proteção ambiental. André

    ResponderExcluir
  7. O texto despertou comentários importantes e aplicáveis no dia a dia do agricultor. Rita

    ResponderExcluir